segunda-feira, agosto 06, 2012

Diplomacia e ping-pong

Devo dizer que ontem fiquei muito surpreendido - positivamente surpreendido - com a excelente prestação dos nossos jogadores de "ping-pong" (dizer "ténis de mesa" acho normal, mas chamar à modalidade "tenisdemesismo" como ontem surgiu na televisão, é de um ridículo atroz) nas Olimpíadas. Não fazia a mais leve ideia de que o desporto tivesse evoluído tanto, em Portugal.

Veio-me à memória, neste contexto, que a Embaixada de Portugal em Luanda organizou, nos anos 80, um torneio de ping-pong entre todos os seus seus funcionários. Chefiava aquela nossa imensa missão diplomática o embaixador António Pinto da França, que conferia ao trabalho uma dinâmica muito pouco usual, feita de empenhamento profissional e da geração de um excecional ambiente de relações humanas. Leia-se, a este propósito, o seu divertido (e bem instrutivo, para se perceber Angola) diário de Angola*, a que se seguiu a publicação do um outro diário sobre a anterior estada na Guiné-Bissau**, a que só não faço excessiva publicidade porque fui o autor do prefácio.

Julgo que a ideia do torneio foi do nosso colega Júlio Vasconcelos, tendo merecido grande entusiasmo por parte de toda a gente, numa terra onde havia muito pouco de lúdico para fazer. Juntaram-se várias ofertas para prémios, que já não sei bem como foram obtidas, numa Luanda onde havia uma quase total ausência de bens à venda nas lojas. O embaixador anunciou-nos que decidira contribuir para os prémios do torneio, com a oferta de uma dúzia de garrafas de um vinho da Adega Cooperativa de Tomar. Tratava-se de um temível "néctar" cuja mais notória qualidade tinha sido consagrada como "bom para decapante"- expressão consagrada pelo Fernando Andresen Guimarães, pelo José Guilherme Stichini Vilela e por mim próprio -, tal a sua acidez e agressividade no paladar. Nos frequentes e muito simpáticos almoços e jantares promovidos pelo embaixador na sua residência, o tal vinho "imbebível" surgia, a espaços, à mesa, o que logo nos levava a uma forçada e conjuntural abstinência, feita sob a troca de olhares cúmplices entre nós, com alguma surpresa do embaixador, que observava incrédulo a nossa conversão coletiva a uma pontual cura de águas.  

Como "vingança" pela presença do nabantino produto, surgiu então, entre nós, uma ideia. Decidimos que o 3º classificado do torneio de ping-pong teria direito a 7 garrafas, o 2º classificado a 4 garrafas e o 1º classificado seria "punido" apenas com 1 garrafa, cumulados com outros prémios. (O critério seguia uma historieta, à época famosa, sobre os supostos "prémios" atribuídos pelo PCP a jovens "pioneiros", que entravam num concurso: o 3º classificado tinha tido direito a três semanas de férias na Bulgária comunista, o 2º classificado a uma semana e o 1º classificado a um fim-de-semana.)

E lá teve lugar a cerimónia de entrega dos prémios, presidida pelo próprio embaixador. Nunca percebemos se ele se deu conta do estranho critério de premiação seguido. Nada nos disse, mas todos ficámos com a sensação de que poderá não ter apreciado excessivamente o nosso gesto de humor, que apenas pretendia transmitir um subtil protesto... Um destes dias pergunto-lhe!

* "Angola, o dia-a-dia de um embaixador, 1983/1988
** "Em tempos de inocência - um diário da Guiné-Bissau"

5 comentários:

patricio branco disse...

divertida memória.
Ps. tenis de mesa está bem, o palavrão usado na tv é ridiculo e informalmente o ping pong é aina o mais eficaz por onomatopeico

Anónimo disse...

Que férias! Veio-lhe a ironia folgada com os ares de Lisboa! Ainda lhe aconselho uns dias no Porto Santo. Perceberá logo. Experimente.

ARPires disse...

Ontem também eu fiquei surpreendido pela positiva.
Fiquei ao ponto de ter passado três horas e meia em frente ao televisor a ver jogar ténis de mesa o que me fez recordar tempos idos no seminário de Vila Real, onde tive o meu batismo na modalidade de ping-pong, como à data se dizia.
Os nossos atletas estiveram à altura e muito bem, dos seus diretos adversários os sul-coreanos.
Perdemos sem glória, mas com a honra intacta.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro ARPires: no seminário? Não seria na Ação Católica (por cima do Zeca Martins) ou na Mocidade Portuguesa, junto ao jardim da Carreira? Não fazia ideia que no seminário houvesse essas diversões.

gherkin disse...

Eu também fiquei suroreendido com a categoria da nossa equipa de ténis de mesa. Surpresa em surpresa, meu caro! Quanto à sua, como nos habituou, excelente narrativa, achei interessante a classificação...ao contrário! Pergunto: Foi o punido com aoenas uma garrafa?
Abraço e bom regresso! Gilberto Ferraz

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