sexta-feira, junho 19, 2015

A herança de Sócrates


Os governos chefiados por José Sócrates tiveram dois tempos distintos, no que respeita ao controlo das contas públicas. Depois de um período notável de contenção, a forma que assumiu a sua reação à crise global, na sequência de recomendações europeias, seguiu um caminho que conduziu a um descontrolo do défice. Uma forte injeção de dinheiros públicos não teve os esperados efeitos no crescimento e na recuperação da economia. Tudo foi agravado pela conjugação de fatores negativos, em especial pela retração económica dos nossos principais parceiros. Foi um tempo penoso, com uma Europa hesitante. Até que chegou a “troika”.

A atual maioria foi capaz de instalar no imaginário público a ideia de que o PS de Sócrates foi o único culpado pelo descalabro financeiro a que se chegou a 2011. Contudo, puxando pela memória dos anos imediatamente anteriores a essa data, não consigo recordar o catálogo de cortes orçamentais que os partidos dessa mesma maioria então propuseram. Pelo contrário, quase só me lembro de propostas para mais despesa. Era o PS que estava no governo, mas a oposição não deu então sinais da uma grande responsabilidade financeira. E disto, curiosamente, ninguém fala.

António José Seguro herdou um partido derrotado, num país com uma “troika” sob a sua principal assinatura. Esmagado pela “culpa” e pela necessidade de recredibilização como força de governo, cometeu o erro de deixar passar em quase silêncio a onda de diabolização do património dos governos de Sócrates, sem cuidar em valorizar as suas inúmeras virtualidades. Isso foi-lhe fatal, porque o PS não lhe perdoou.

Sócrates regressou entretanto ao país e, perante o embaraçado silêncio socialista, encarregou-se de defender a sua própria herança. Sem assumir um único erro, justificou-se e personalizou o debate com o presente. Em perspetiva, considerando o modo divisivo como já era então visto, somos forçados a concluir que ter Sócrates a promover a ação dos seus próprios governos acabou por não ser algo muito eficaz.De um dia para o outro, contudo, o mundo mudou. 

Sócrates foi preso e António Costa chegou à liderança de um PS incomodado consigo mesmo. Se defender parte do património dos governos de Sócrates iria sempre exigir um trabalho de “filigrana”, depois do terramoto da prisão a tarefa tornou-se muito mais difícil. Reconstruir uma proposta socialista credível nesta delicada conjuntura é a sua nova “quadratura do círculo”. E António Costa demonstra estar a conseguir fazê-la.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

15 comentários:

jose neves disse...

"depois do terramoto da prisão a tarefa tornou-se muito mais difícil"

O mal todo foi Seguro não só ter deixado toda liberdade à maioria para vender a sua narrativa como, muito pior, foi ter colaborado na mesma narrativa fazendo-a também sua, pessoal.
Contudo, porquê a tarefa tornou-se mais difícil com a prisão de Sócrates? O senhor embaixador leu com atenção a declaração de voto vencido do senhor juiz que queria a libertação do preso porque, e disse-o com todas as letras, os indícios eram inexistentes; leu? Inexistentes.
Além disso se "Uma forte injeção de dinheiros públicos não teve os esperados efeitos no crescimento e na recuperação da economia.", foi porque não houve nem deram tempo a que tal acontecesse; então porquê a economia já crescia bem e agora cresce ainda melhor? Conhece alguma medida tomada por este governo para incentivar a economia? Dir-me-á, baixou custos de produção, obrigou à procura de novos mercados, etc. Mas sabemos que o aumento de exportações deve-se ao Alqueva, à nova refinara; às energias renováveis, aos automóveis, ao magalhâes, à nova máquina de papel da Portucel à aeronaútica e também ao calçado e outra indústria menores; como vê tudo que engorda a exportação, agora, é obra do governo anterior.
E mais, se se manteve a indústria do calçado, dos texteis e dos automóveis (Volskvagem e Citren) foi graças à enorme injecção de milhões de euros que foram dados-injectados em nome da 'formação' o que permitiu a essas indústrias se manterem e subsistirem.
O PS só tem que responder, até que a voz lhe doa e faça doer o ouvido dos portugueses, esta narrativa verdadeira em contraponto à pantominice da actual maioria.
É verdade, Sócrates, defendeu e enfrentou sempre sozinho mas sempre capaz e tenazmente e, sobretudo, corajosa, inteligente e intransigente com mentiras descaradas; abriu o caminho que, como se nota cada vez mais na opinião pública e, pelo visto também na parte sã da magistratura, é preciso fazer ver claramente aos portugueses.
Porque um dia, quer a direita cá ou europeia que a apoia, queira ou não queira a reputação de Sócrates trepará ao cume da opinião do povo tal como, ao contrário, apesar de na sua posição de PR, a de cavaco já caíu no abismo da indiferença e descrédito do povo.

e ransigente capaz e tenazmente

Anónimo disse...

Ainda muitos vão ter saudades de Seguro pois Costa é mais um socrático que em sondagens está muito longe de conseguir combater a coligação.

Anónimo disse...

Tenho muitas dúvidas quanto à estratégia de António Costa e a última sondagem parece dar-me razão!
É vergonhoso o que a justiça portuguesa está a fazer a Josá Sócrates. E o PS, calado, a consentir o discurso desta maioria!

Anónimo disse...

O seu texto no Jornal de um amigo de Sócrates, é um modelo para memória futura do nefasto período vivido por Portugal no período de 2005 a 2011.

Anónimo disse...

Bom comentário, José Neves!
a)Diletante

disse...

Este post é extremamente injusto para com determinados sectores do PSD e para com a Dra. Manuela Ferreira Leite em particular. MFL foi a primeira pessoa com visibilidade pública que alertou veementemente para o problema da insustentabilidade das contas públicas. Na campanha de 2009 contra Sócrates, quando o PS propunha um megalómano programa de obras públicas (que incluía 2 linhas de alta velocidade, um novo aeroporto de Lisboa e uma terceira ponte sobre o Tejo), MFL dizia que Portugal tinha um gravíssimo problema de dívida pública e que nada disso seria possível. Alertava aliás que o país se encontrava já a caminho da bancarrota.

Faz-me muita impressão as vozes à esquerda que tentam branquear a gestão do governo socrates. Faz-me sobretudo impressão a desonestidade intelectual que anda por aí à solta. Dou um exemplo concreto. Muitos simpatizantes do ex-PM apontam o dedo ao actual governo a propósito do aumento da dívida pública registado nesta legislatura. Ora, o aumento brutal da dívida pública que registámos nestes 3 anos deveu-se essencialmente: (1) às novas regras de contabilização da dívida (e.g. a dívida das empresas públicas passa a integrar o perímetro da dívida pública) (2) a expedientes manhosos usados (e abusados) pelo governo anterior para criar dívida escondida (e.g. PPPs) e (3) despesa com juros associados à dívida existente. Este governo pode ter falhado sob os mais diversos pontos de vista, mas há que admitir que fez um trabalho absolutamente notável no que diz respeito à estabilização da situação financeira do país. E aliás, o governo não precisa de melhor argumento do que as taxas de juro a que o país actualmente se financia.

Fernando Correia de Oliveira disse...

Como demonstram as sondagens - e lá teremos que acrescentar o chavão "sondagens valem o que valem" - António Costa não está a conseguir, caro Embaixador, a quadratura do círculo. Falar da enxurrada de investimento público nos derradeiros dias do consulado socrático (alguns mesmo na 25ª hora, com contratos assinados ao sábado de manhã, para projectos que toda a gente já sabia não se irem concretizar) sem falar clara e desassombradamente da componente "corrupção" é o Calcanhar de Aquiles do PS. Para Maria de Lurdes Rodrigues, o programa Parque Escolar "foi uma festa". Até agora, os portugueses não parecem muito dispostos a dar ao PS a oportunidade de repetir as festividades. E escolher a palavra "rigor" para mote da campanha socialista só pode ser a gozar. Em tempo: abstenho-me nas próximas Legislativas.

Francisco Seixas da Costa disse...

Reconheço, sem dificuldade, que, em 2009, a dra. Manuela Ferreira Leite fez esse alerta pontual. Isso, porém, é muito pouco num mar de propostas de despesa feitas pela oposição PSD e CDS nos seis anos da governação Sócrates. Mas, já agora, gostava que alguém esclarecesse sobre o nome do ministro português das Finanças que aprovou o plano do TGV na base do qual as propostas desse investimento foram feitas.

opjj disse...

Sempre achei perigoso prometer tudo a todos. E tb acho que dizer mal de tudo traz tb os seus inconvenientes.
Podia disfarçar e concordar com algumas medidas.
E pôr as coisas no condicional, vamos procurar fazer melhor.
Cums

Anónimo disse...

Sr. embaixador,

Acho muito interessante o timing,o resultado e a autoria da sondagem publicada hoje.

A Católica entrou em acção e manipulou informação descaradamente.
Esperemos pela eurosondagem para ver se os dados se confirmam.

Unknown disse...

Argumento interessante: a oposição pedia mais despesa por isso tambem é culpada.
Entao e nestes ultimos tres anos a oposiçaõ tambem é culpada do que estado em que estamos? Sempre exigiu menos cortes, mais despesa social...
claro que como diziam aqui e dizem na Grecia . a culpa é da Merkl
dá sempre belas narrativas.

Anónimo disse...

Sócrates foi o "melhor" primeiro ministro......

Levou o país a falência.

É preciso dizer mais alguma coisinha ?

Onde param as transferências bancárias, quem se aboletou ?

"Tem pai que é cego!...."

disse...

Mas Senhor Embaixador, o país e o mundo não mudaram entre 2004 e 2009? A dívida pública ficou na mesma? Quantas PPPs tínhamos em 2004 e quantas tínhamos em 2009? Quais a condições de financiamento da República em 2004 e quais eram em 2009? O mundo muda e os planos ficam na mesma?
Mais, a Dra. Manuela Ferreira Leite era na altura ministra das finanças de um governo de coligação. Fazer parte de um governo não significa estar de acordo com tudo o que o governo decide. Significa estar de acordo no essencial da política. Sobretudo no que diz respeito a um plano sem carácter vinculativo.

Jose Martins disse...

Senhor Embaixador,
Não foi só o Governo de José Sócrates o culpado pelo descalabro financeiro!
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Foram todos os Governos, depois de Portugal inserido na União Europeia que gastaram sem rei nem roque.
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Lembro-me que quando funcionário, activo na Embaixada de Portugal em Banguecoque, contavam-se os tostões para se levar a cabo qualquer obra.
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Despendia-se o mínimo possível... Pelos anos de 1996, embaixador Mesquita de Brito dizia para o Dr. Abranches Jordão: “queria fazer uns melhoramentos na residência e não sei onde vou arranjar o dinheiro...”
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Dr. Abranches Jordão responde-lhe: “senhor embaixador peça o montante ao PIDAC!”
Embaixador Mesquita de Brito desconhecia o PIDAC e o montante foi solicitado e chega-lhe, de Lisboa e o dinheirinho que necessitava para as obrazitas.
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Não pediu mais, mas outros chefes de missão, que o sucederam, foi o que mais se aviava em pedir dinheiro ao PIDAC.
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Para dentro de mim: “esta gente está completamente doida!”
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Não tardou que os pedidos solicitados ao PIDAC fossem colher urtigas!
Saudações de Banguecoque.

Joaquim de Freitas disse...

O Ocidente, o nosso Ocidente dos princípios cristãos e dos valores que procuramos "vender" ao mundo inteiro, vai entrar numa época de Férias.
Começamos já a desejar "Boas Férias" a toda a gente. Ao mundo inteiro mesmo, através da Internet.
Faz parte das boas maneiras do nosso mundo que supomos melhor que o dos outros. Porque sabemos que sob as ditaduras que abundam neste mundo, as maneiras não existem.
O Ocidente, afim de enevoar as populações, implantou a sua definição da ditadura. As informações "controladas" pelo verniz democrático dos regimes ocidentais, educaram os povos através dos jornais e das cadeias de televisão em versão condensada, espécie de prato congelado, sempre e sempre em vigor.
Mas não nos dizem tudo. As democracias estando agora sob o jugo da finança, lá onde se joga a "realidade" deste mundo , camuflada, ditatorial, controlando todas as ditas democracias.
O dinheiro não tem odor nem intenção. Ele é o "diktat num nevoeiro longamente concebido, vendido e posto em acção.
A Historia que passa, passa tão depressa, e os assassinos económicos são agora "snipers" invisíveis engordados de maneira quotidiana.
A democracia é agora a cultura do dinheiro, melhor ainda , da Finança. Ela é a Democracia.
Os representantes políticos que não controlam mais nada, a existência de chefes de Estado e Ministros que não dirigem efectivamente os seus países é o mundo que temos.
Sejamos honestos : Os primeiros não são idiotas ao ponto de não serem integrados , mais ou menos , às esferas invisíveis da Finança! E que esta compromissão pelo cimo tem um efeito deletério sobre todo o corpo social.
A Historia não perdoará tanto mais à Nação de se deixar corromper, que não perdoava nos tempos dos trovadores a uma donzela de se deixar seduzir.

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