segunda-feira, janeiro 11, 2016

Memórias


Numa livraria do aeroporto de Madrid, acabo de deparar com as memórias de Jorge Dezcallar, um diplomata espanhol que conheço pessoalmente e que teve um percurso profissional muito interessante, com uma passagem pelos serviços de "intelligence" do seu país. 

Comprei o livro, claro, e vou lê-lo logo que possa. Para colegas de profissão, é sempre curioso tentar perceber o que cada um retirou da sua experiência, o modo como "leu" o seu papel na execução das políticas dos seus governos e, muito em especial, as "learned lessons" dos contactos e das histórias vividas, nos diversos países onde operou. 

Pela minha experiência de leitor compulsivo deste tipo de obras, o saldo destes exercícios é muito variado. Já li memórias fascinantes de diplomatas que ficaram longe de atingir o topo das respetivas carreiras, mas que foram capazes de produzir relatos interessantes e instrutivos. E também já tive grandes deceções em face de escritos de colegas, que embora altamente qualificados, não conseguiram "decantar" nada de especial daquilo que testemunharam ou vivenciaram. 

Há dois defeitos tradicionais neste tipo de memórias. 

O primeiro prende-se com a qualidade da escrita: em todo o mundo, nem sempre os melhores embaixadores são os que melhor escrevem e até se suspeita que alguns grandes diplomatas não arriscam escrever relatos da sua experiência profissional por não terem a certeza de conseguir produzir um trabalho que se situe à altura do prestígio que conseguiram. Muitos diplomatas não têm uma escrita apelativa para um público fora do "métier", por se terem entretanto aculturado a um "oficiês" pouco interessante. E isso pode inibi-los de meterem mãos à escrita.

O segundo liga-se ao bom-senso. Como se diz na minha terra, alguns diplomatas, aliás como ocorre com muitos outros profissionais, "não se enxergam", isto é, não conseguem relativizar o seu papel e tendem a colocar-se "em bicos de pés", não percebendo que, na esmagadora maioria dos casos, são apenas atores secundários, quando não meros figurantes, por melhores profissionais que sejam, de uma "peça" em cujo cartaz figuram em letra necessariamente pequena. O equilíbrio é uma arte difícil, não sendo fácil ter o sentido da medida. Uma coisa é clara: nunca seremos os melhores juízes de nós próprios.

Diplomata ... de carreira!


Nem sempre as viagens regulares que, por décadas, fiz entre Lisboa e a minha terra, Vila Real, se passavam placidamente em belas autoestradas, como hoje acontece. Nos dias que correm, quaisquer três horas e pouco são suficientes para o percurso. Nos anos 60, cinco horas era já um verdadeiro "record" do Guiness.

Um dia do início dos anos 80, ao tempo em que vivia na Noruega, li num jornal que a companhia de transportes coletivos nortenhos sedeada em Vila Real, a nossa clássica "Cabanelas", inaugurara uma nova carreira "expresso", anunciada como podendo fazer o percurso a partir de Lisboa em bastante menos de quatro horas. Tratava-se de uma viagem sem paragens e, como imensa novidade para a época, a viatura tinha televisão (é uma força de expressão: só se viam fugazes e difusas imagens, logo entrecortadas por imensos riscos) e uma casa de banho, sendo que esta última era inovação era rara em transportes coletivos do Portugal de então. Numa das minhas deslocações a Portugal, decidi experimentar este "expresso".

Em Lisboa, ao entrar no autocarro, deparei com um motorista conhecido, junto de quem procurei inteirar-me da verosimilhança da informação sobre o "fabuloso" tempo de decurso da viagem. Perguntei então ao homem se sempre era verdade" que faríamos aquele horário ambicioso. O motorista, em voz baixa, foi muito claro: "nem o Sidoninho, se estivesse aqui sentado, conseguiria fazer esse horário". O "Sidoninho" era o Sidónio Cabanelas, conhecido corredor de automóveis, filho do proprietário da empresa, pessoa de quem eu era amigo e que viria a falecer, pouco tempo depois, num cobarde atentado à bomba.

A viagem confirmou-se, realmente, tão rápida quanto a qualidade das estradas de então o permitia. O condutor fez mesmo algumas verdadeiras "loucuras", tentando não se distanciar demasiado do impossível "target" horário que a publicidade da "Cabanelas" promovia. Já a viagem ia adiantada, decidi ir à tal casa de banho  um cubículo ínfimo, que implicava una coreografia complexa, para os motivos que ali nos conduziam. Não atentei, porém, em que parte do percurso estávamos. Ora nós tínhamos entrado, precisamente, numa zona hipercurvosa, à saída do Buçaco. Assim, de pé, naquele estreito espaço, vi-me de repente atirado contra uma das paredes. Mal acabara de conseguir equilibrar-me, logo me senti projetado em sentido precisamente contrário. Fiquei meio zonzo! Não entro em mais pormenores, para que o meu embaraço de então não fique por aqui mais sublinhado...

À chegada a Vila Real, uma hora e tal depois, vinha enjoado, nervoso e cansado, pelo incómodo da viagem e pela angústia que que constantemente sentira, pela pouco razoável velocidade utilizada.

Na cidade, ao sair do autocarro, aguardava-me o meu pai. Viu o meu estado destroçado, sorriu e saiu-se com esta "tirada" que guardei para sempre: "ora aqui está um verdadeiro "diplomata... de carreira"!

Ontem, numa viagem bastante rápida num pequeno autocarro por montanhas da Colômbia, lembrei-me, por qualquer razão, daquele ambicioso "expresso" da saudosa "Cabanelas", a empresa de transportes que, por muitos e bons anos, nos abria as portas de Vila Real para o mundo. Aproveito para enviar um abraço à Márcia, acabado que foi o ano em que perdeu o seu pai e fundador da "Cabanelas" e quando se aproxima a data em que, há 27 anos, perdeu também o seu irmão Sidónio.

domingo, janeiro 10, 2016

América Latina


Dentro de menos de uma semana, a convite do Colégio de Defesa da NATO, vou a Roma proferir uma palestra sobre as questões de segurança na América Latina. Por uma curiosa coincidência, passei estes últimos quatro dias em outras tantas cidades deste subcontinente. Por mais curtas que sejam estas experiências, mas se estivermos bem atentos, conseguimos sempre extrair destes contactos, em especial das conversas que aqui ou ali vamos tendo, elementos úteis que nos ajudam a refletir sobre as perceções que já temos sobre esta muito complexa realidade.

Há quatro temas que, em permanência, vêm ao de cima neste tipo de contactos. 

Desde logo, as perspetivas sobre os diferentes modelos democráticos da região, o modo como se comportam no enquadramento de realidades históricas, económicas e sociais mutantes e muito diferentes entre si. É curioso observar, nos dias que correm, o modo como estão na agenda das preocupações as disfuncionalidades do modelo político brasileiro, a quase exaustão do formato venezuelano e a grande curiosidade que rodeia o modo como no sistema argentino se vão enquadrar as novas tendências emergentes na Casa Rosada de Buenos Aires.

Um segundo tema é, como não podia deixar de ser, o "parceiro" permanente de todo o subcontinente: os EUA. O "amigo americano", por muito "amigo da onça" que seja para alguns, é um dado incontornável neste complexo puzzle. Por essa razão, não é por aqui indiferente se Trump se afirma como candidato republicano e são naturalmente lidos com muita atenção todos os sinais que permitam antecipar atitudes de uma possível administração Clinton.

A segurança, por estas áreas, tem menos a ver com o papel (sempre relativo) da América Latina nos grandes equilíbrios mundiais - não há por aqui armas nucleares ou de destruição maciça, nem graves conflitos potenciais à vista - e muito mais nos riscos em matéria de "segurança humana" decorrentes das grandes desigualdades, da pobreza e das tensões sociais. Mesmo o tráfico de droga terá já descido uns furos nessa agenda de preocupações.

Finalmente, a crise económica mundial, o papel dos emergentes na ordem institucional que a enquadra no plano multilateral está muito presente nas conversas. Por onde vamos? Que futuro para os intercâmbios comerciais com a Europa? Que efeitos colaterais trará a parceira transatlântica, se vier a ter "pernas para andar", para uma América Latina que já vive polarizada, em termos comerciais, por uma promissora Aliança do Pacífico e um Mercosul que parece imitar, em termos de resultados, o triste destino do "ciclo de Doha" da OMC?

sábado, janeiro 09, 2016

"Reformar a Administração Pública"


O "Público" de hoje insere uma reflexão sobre o tema em epígrafe, para a qual gostaria de chamar a atenção dos leitores deste blogue. São autores do texto Fernando Bello, João Ferreira do Amaral, João Costa Pinto, João Salgueiro, José Manuel Felix Ribeiro, Miguel Lobo Antunes e eu próprio.

Este documento é resultado do aprofundamento daquela tema, feito com a audição de diversas personalidades altamente qualificadas no setor, sendo que o texto apenas vincula os seus subscritores.

Desde há mais de três anos que o grupo que deu origem a este documento tem vindo a organizar, com o apoio da Culturgest, um conjunto de iniciativas, algumas das quais com expressão pública, em torno de grandes questões que atravessam a sociedade portuguesa e o papel do Estado no seu seio.

Leia o texto aqui

Dos apoios

Durante o debate de ontem com Maria de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito das negociações europeias, mencionou o meu nome, referindo a minha suposta qualidade de apoiante de Maria de Belém.

A verdade dos factos é muito importante. E a verdade é que, até hoje, eu nunca assumi apoio a qualquer um dos candidatos a estas eleições presidenciais, entre os quais se inclui a minha amiga Maria de Belém.

Os anglo-saxónicos chamam a isto "to set the record straight". É o que agora aqui faço.

sexta-feira, janeiro 08, 2016

Presidência?


A Holanda assume a presidência semestral da UE. Alguém vai notar? Berlim saberá? 

As artes & ofícios do professor Marcelo


Foi pena que Sampaio da Nóvoa, quando Marcelo Rebelo de Sousa, durante o debate de ontem, referiu, por diversas vezes, que as suas opiniões eram conhecidas do país, ao contrário do "silêncio" do seu opositor sobre os temas políticos mais especiosos da vida democrática passada, não lhe tivesse lembrado que essas posições públicas foram emitidas, por décadas, em canais públicos e privados, de rádio e televisão, principescamente remuneradas, sem o mínimo de contraditório e que funcionaram como uma espécie de pré-"tempo de antena" que preparou esta sua tentativa de sucessão do seu candidato preferido de sempre, que aliás o nomeou para o Conselho de Estado, o qual dá pelo nome, tão "popular" nos dias que correm que MRS tenta a todo o custo dele demarcar-se, de Aníbal Cavaco Silva. 

Acaso Sampaio da Nóvoa ou qualquer dos outros candidatos tiveram o privilégio desses milhares de horas de exposição para os exercícios de "tudólogo" - aquele que fala de tudo - de que MRS beneficiou? E o facto de não terem sido beneficiados com essa presença perante câmara e microfones retira-lhes qualquer legitimidade na expetativa de serem escolhidos pelos portugueses para ascenderem à Presidência da República?

O mundo está perigoso


A tensão há muito latente entre a Arábia Saudita e o Irão teve expressão, por estes dias, em alguns graves incidentes, provocados por Riade e reagidos por Teerão. Há riscos de que as “cabeças” das duas grandes obediências islâmicas (respetivamente sunita e shiita) possam vir a protagonizar um novo conflito na região. E, talvez mais importante do que isso, a limitar a concentração dos esforços internacionais no combate ao Estado Islâmico. 

A destruição política do Iraque como Estado unitário, pela ação irresponsável da administração Bush, fez desaparecer um contraponto a um Irão que, nesse vazio, descortinou uma oportunidade de afirmação da sua histórica ambição. Se o programa nuclear iraniano parece hoje controlado, na vertente militar, graças ao acordo obtido por força das sanções, alguns Estados da região - a começar pela Arábia Saudita e a acabar em Israel – continuam muito pouco sossegados com os respetivos termos.

O Irão, se bem que ainda debilitado e com o preço do crude a não ajudar, começa a fazer o seu caminho de regresso ao estatuto de potência regional. Ao afirmar a liderança da corrente shiita entre os muçulmanos, que está presente em vários tabuleiros políticos da área - do "novo" Iraque à Síria, do Hezzbolah libanês ao Iemen e ao Bahrein, Teerão reassume a sua capacidade de influência. E o seu estatuto de novo “parceiro” no conflito na Síria, que os países ocidentais parecem tender a reconhecer-lhe, irrita os seus tradicionais inimigos locais.

O principal dentre eles é a Arabia Saudita, país que se sentiu, por muitas décadas, sob uma espécie de "guarda-chuva" ocidental. Decisivo fornecedor de petróleo, com influência em grande parte do Golfo, sabia-se protegida pelos amigos americano e europeus, que, por “realpolitik”, sempre fecharam os olhos a um regime de práticas medievais, mas que lhes abria as portas a grandes negócios e lhes assegurava a energia para o seu desenvolvimento.

Entretanto, as prioridades energéticas mudaram, os EUA retraem-se na área e os aliados europeus, com a crise económica a bater à porta dos seus orçamentos militares, já não chegam para as encomendas em matéria de crises. 

Os sauditas, jogando a cartada nacionalista e religiosa para atenuar tensões internas, e a atravessar um momento económico menos brilhante, deram-se conta de que tinham de "fazer pela vida" e federar a resposta sunita às ambições regionais iranianas. 

A grande questão que preocupa a comunidade internacional é saber até onde estarão dispostos a ir.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, janeiro 07, 2016

Aeroporto de Lisboa

Nos últimos três anos, não viajo por via aérea a partir de Lisboa todas as semanas, mas, em média, utilizo o aeroporto da Portela no mínimo umas duas vezes por mês. Posso estar enganado, mas creio que nunca encontrei o aeroporto sem um estaleiro de obras. Não sei se isto é bom ou mau sinal, mas a verdade é que, quer à partida quer às chegadas, tudo tem mudado, nem sempre com a comodidade dos passageiros assegurada, muito embora seja óbvio ser esse o objetivo de alguns dos trabalhos - o outro é "meter-nos" lojas pelos olhos e no meio do nosso percurso, de uma forma que começa a tornar-se algo escandalosa. Um passageiro não tem o direito de entrar no aeroporto e tomar o caminho mais direto para o seu avião, visitando as lojas apenas se quiser?

quarta-feira, janeiro 06, 2016

Clotilde Câmara Pestana


Ontem, o presidente da República condecorou várias personalidades que, em diferentes cargos e funções, estiveram ligadas à atuação de Portugal no quadro da política europeia. Vários amigos e pessoas que muito respeito receberam esse reconhecimento. Infelizmente, não pude estar nessa cerimónia para felicitá-los. Considero que, sem uma única exceção, se tratou de distinções muito justas.

Permito-me, contudo, destacar um nome de entre todas essas pessoas: Clotilde Câmara Pestana.

Há dias, falei aqui da primeira equipa que acompanhou a integração europeia de Portugal. Foi nesse início de 1986 que conheci a Clotilde e dela fiquei para sempre amigo. Foi minha colega na "Visconde Valmor" e na "Cova da Moura" (os locais do Portugal europeu). Mais tarde, foi minha adjunta e chefe de gabinete, quando tive funções de governo na área dos Assuntos europeus. Nessa altura, o meu gabinete - entre pessoal diplomático, técnico e administrativo - e para além dos motoristas, chegou a ser composto apenas por mulheres.

A Clotilde é uma figura humana muito rara, para além de ser uma profissional dedicada, competente, de uma extrema lealdade e com um elevado sentido de serviço público. Sempre serena, muito "boa onda" e com grande sentido de equipa, é uma admirável criadora de consensos. Mas é, principalmente, uma notável mulher de família - mãe e orgulhosa avó de quase 11 netos! - com um empenhamento constante em causas religiosas e de voluntariado, ao lado do Rui, seu marido.

Deixo aqui um abraço de felicitações à minha querida amiga e recém comendadora Clotilde Câmara Pestana.  

terça-feira, janeiro 05, 2016

A cretinice é uma raça que se não extingue


Chinesices


A conversa ia solta, no carro daquele embaixador, algures no mundo. 

Mário Soares, então líder da oposição, tinha acabado de participar numa reunião da Internacional Socialista, de que era um dos vice-presidentes. Ciente do seu dever de acolher um ex-primeiro-ministro, o embaixador fora buscar Mário Soares e Maria Barroso ao hotel e, na viatura oficial da embaixada, com um jovem diplomata, conduzia-o agora de volta ao aeroporto. 

O embaixador era um diplomata à antiga. Criado na ditadura e pouco sossegado com o novo regime, olhava os socialistas como "avis rara". Claramente, apreciava a coligação conservadora no poder em Portugal, nesse início dos anos 80 do século passado. Mas, com sentido de Estado e do lugar que ocupava, colocara-se à disposição de um antigo primeiro-ministro. Soares estava satisfeito e foi simpático com o homem, que, intimamente, devia reconhecer que se tinha comportado como um bom profissional.

Apenas para fazer conversa, Soares inquiriu:

- O senhor embaixador conhece a China?  Daqui a duas semanas, vou a Pequim. É a primeira vez que os chineses convidam a Internacional Socialista para uma visita e, digo-lhe, fico contente em poder ter esta deslocação. Estou com uma grande curiosidade sobre a China.

- A China é muito importante, de facto, retorquiu o embaixador, em tom tipicamente formal. Conheço razoavelmente bem a China. Tem prevista alguma ida a Nanquim? 

Soares não tinha ideia de que Nanquim estivesse no programa.

- É pena, porque se fosse a Nanquim, por esta altura, veria os campos de flores, que são magníficos. 

Mário Soares não pareceu muito entusiasmado com a eventual extensão floral da sua visita. E, sobre o tema, nada disse. Mas, nem por isso, se calou o embaixador.

- O senhor doutor vai-me perdoar, mas, indo à China, posso dar-lhe um conselho? 

- Ó senhor embaixador! Por quem é! Claro que sim, tanto mais que já me disse que conhece a China e os chineses.

- Então, se me permite que lhe diga, deixo-lhe um alerta para a sua conversa com os chineses: não lhes fale de política!

Diz quem assistiu que o carro pareceu atingido por uma lomba que lhe afetou a suspensão. Soares explodiu:

- Não lhes falo de política? Ora essa, senhor embaixador, não tenciono falar-lhes eu é de outra coisa!

E Soares, farto da conversa do homem, entrou num quase mutismo até ao aeroporto.

Despedido o político português, o embaixador, que sempre usava a expressão "mais uma lebre corrida!" quando deixava aquela capital algum visitante português de peso, virou-se para o jovem diplomata e comentou:

- Este Mário Soares ainda está muito "verde". Falar de política aos chineses, imagine você!

O jovem não comentou o comentário do chefe. Estava a começar a carreira e, nela, o que verdadeiramente se pensa só pode começar a ser dito a partir de certa altura. Há um tempo para tudo, até para criticar as "chinesices" de certos embaixadores. Foi isso que sempre "li" por detrás de alguns silêncios, aparentemente respeitosos, dos muitos colaboradores que tive...

segunda-feira, janeiro 04, 2016

Árvores


- Olha lá, como é que conseguiste que o "Público" te desse capa e entrevista?

- Ando no ramo há muito tempo...

Eduardo Lourenço


A Eduardo Lourenço, uma figura por quem tenho uma crescente admiração, pela contínua lucidez com que nos interpela ao procurar interpretar-nos como povo e como país, foi ontem atribuído o prémio Vasco Graça Moura. O júri era presidido por Guilherme Oliveira Martins.

Um dia, quando era embaixador em Paris, organizei na residência um grande jantar em honra de Eduardo Lourenço. Curiosamente, entre os presentes estavam Vasco Graça Moura e Guilherme Oliveira Martins.

O Eduardo chegou já sobre a hora, depois dos restantes convidados. Pediu-nos imensa desculpa pelo atraso (que, na realidade, não existia) e explicou que acabava de chegar de Saint-Denis, nos arredores de Paris, onde fora encontrar Manoel de Oliveira, que aí filmava num estúdio onde se reproduzia uma rua do Porto (!). 

Um de nós perguntou-lhe a razão da deslocação. Curiosidade de ver Oliveira a filmar? Eduardo Lourenço deu uma daquelas gargalhadas contidas que lhe são típicas e, com uma jovialidade que só se ganha com a idade, revelou: "A verdade é que me tinham dito que o Oliveira estava, hoje, a filmar com a Jeanne Moreau e a Claudia Cardinale. E eu tinha curiosidade de ver, ao vivo, as duas senhoras". E viu?, perguntámos. "Não, já tinham ido embora e acabei por pagar uma conta calada de taxi..." 

Michel Galabru


Com a morte de Michel Galabru, desaparece o último membro do magnífico sexteto que, em 1964, inaugurou a série de filmes dos patuscos "gendarmes" de Saint-Tropez, cuja figura central era Louis de Funès. Galabru "fazia" de chefe de Funès, que titulava as principais confusões e situações divertidas.

Vistos hoje, os "gags" da trupe dos "gendarmes" ainda divertem, mas, no que me toca, acabam por cansar um pouco. Fazem parte de um outro tempo da comédia "trapalhona", que teve os seus cultores em todos os países e que, nos EUA, continuam a prosperar.

Acabaram assim os "polícias de Saint-Tropez". Não seriam tão famosos na localidade como foi Brigitte Bardot, mas a verdade é que da primeira vez que visitei a cidade, fui logo à procura do local (falso) onde aqueles "gendarmes" brilharam durante seis filmes.

domingo, janeiro 03, 2016

António Barreto


Na sua coluna dominical no DN, António Barreto afirma hoje isto: (Jorge Sampaio) "fez o que pôde para afastar António Guterres da liderança socialista, já agora também do governo. Depois de o conseguir, entregou o poder ao PSD".

Tudo isto é rotundamente falso, como bem sabe quem viveu as coisas por dentro. Melhor: como sabe qualquer pessoa minimamente informada, quanto mais António Barreto. E, no entanto, isto surge escrito com um ar de verdade incontroversa.

Havia necessidade? Vale tudo?

Passeio de domingo


Dizia uma para a outra:

- E tu, em quem votas?

- Deixa-os pousar...

Henrique Neto


Em 23 de março de 2015, escrevi por aqui isto:

"Pronto! Começou a corrida. Henrique Neto é candidato declarado à presidência da República. O primeiro.
Com 78 anos, um passado digno de anti-fascista, "self-made man", industrial, homem de palavra frontal, Henrique Neto não é um homem "fácil". Tens ideias próprias, diz sempre o que pensa e di-lo com palavras fortes, às vezes ácidas. No seio do Partido Socialista, ao olhar para as últimas décadas, verifica-se que quase sempre foi uma figura incómoda, incontrolável, crítica. 
Deixo daqui um sincero abraço de simpatia pessoal a Henrique Neto, pessoa que me merece respeito, com quem tenho trocado impressões esparsas e francas, ao longo destes anos. Um respeito que é agora reforçado pela coragem que teve para entrar nesta aventura, a qual nem por ser impossível deixa de ser nobre. Estarei algures, mas só lhe posso desejar um valente combate."

Na ocasião, não foram poucos os amigos que me criticaram por ter colocado a público esta nota de simpatia pessoal, não obstante o meu "estarei algures" deixasse explícito que Henrique Neto não poderia vir a contar com o meu voto.

Ontem, vi, por mera casualidade, o seu debate com Sampaio da Nóvoa. Não foi a "nobre" aventura e o "valente" combate que eu esperava que ele assumisse. Foi um espetáculo tristíssimo de ressabiamento e agressiva acrimónia,  que foi ao ponto de convocar a cumplicidade do falso "moderador", que funcionou como seu "compère" (ou seria o contrário?).

É com muita pena que digo que aquilo a que ontem assisti não está à altura do passado de Henrique Neto. Pelo menos, do Henrique Neto que eu julgava conhecer mas que, pelos vistos, os meus amigos conheciam melhor que eu.

Presidenciais

Tinha prometido a mim mesmo não ver debates televisivos nas eleições presidenciais. Mas "a carne é fraca" e, anteontem, não resisti a observar o anunciado espetáculo de Tino de Rans com Marcelo Rebelo de Sousa. O show foi antecedido do "número" de um senhor grave que, "à Santana Lopes", abandonou a cadeira. Havia ainda um outro senhor cujo nome (ainda) não decorei e cujo fascinante currículo vou pesquisar no LinkedIn, e que disse umas coisas notáveis. Um ponto comum a todos os candidatos foi terem proferido afirmações da maior "sensatez" - a acreditar em Marcelo Rebelo de Sousa, qualidade não acessível a todos os mortais.

Há pouco, noutra distração - apenas porque no "zapping" tinha achado graça ao "ticket" -, assisti ao debate entre Henrique Neto e Sampaio da Nóvoa, "moderado" por Rodrigues dos Santos. Este pareceu possuído pela diabolização de Sócrates e, subitamente, deixou de tentar ser jornalista moderador e passou a atacar Sampaio da Nóvoa, como se a este não bastasse o facto de Henrique Neto já o ter tomado como alvo, nem que para tal tivesse sido obrigado a dizer bem de Passos Coelho. Nóvoa, coitado, correto mas claramente sem "killer instinct", fez de "punching bag" de ambos, acabando despedido secamente por um deliciado Rodrigues dos Santos, dono do gong.

José Rodrigues dos Santos, que em tempos longínquos estagiou na BBC, esforça-se há anos por fazer de Jeremy Paxman da paróquia, mas nem na qualidade das gravatas consegue aproximar-se. E - uma vez mais! - fez passar uma vergonha ao diretor de informação, Paulo Dentinho. Não foi "Serviço Público", foi "Serviço Correio da Manhã".

sábado, janeiro 02, 2016

Mundo islâmico

Quando os americanos, sob o falso pretexto da existência de "armas de destruição maciça"*, atacaram o Iraque, muitos comentadores responsáveis alertaram para o risco de uma desagregação desse país poder ter consequências catastróficas para toda a região e, muito em particular, poder afetar o equilíbrio entre Bagdad e Teerão. Viu-se que tinham carradas de razão. A noção de que as grandes "obediências" muçulmanas - shiitas e sunitas - pudessem vir a agravar a sua tradicional conflitualidade estava também presente nesses avisos, que a "intelligence" americana desprezou, por irrelevante.

Se se olhar para a tensão nas últimas horas entre o Irão e a Arábia Saudita pode perceber-se que essa realidade está cada vez mais presente e sabe-se lá até onde poderá chegar.   

(*a propósito: à época, um opinador luso disse que, se acaso não houvesse "armas de destruição maciça" no Iraque, se passearia nu pelo Rossio. Creio que ninguém é "demandeur" do espetáculo, mas será que nunca mais voltou a opinar sobre o assunto?)

Maduro e a democracia

Ver aqui .