quarta-feira, agosto 17, 2016

Vigarice

Um espertalhão qualquer criou no Facebook uma conta em meu nome, com uma imagem idêntica à da minha conta original. Já fiz queixa ao Facebook.

Assim, peço a quem receber um pedido de "amizade" em meu nome o favor de ignorar ou, se acaso inadvertidamente jâ tiver aceite, de "desamigar" ou bloquear essa conta, que se distingue por ter apenas umas dezenas de "amigos".

Conversas no Pereira (5)

- Estou furibundo! Só tenho duas contas bancárias e não é que me mudaram, nesta época, precisamente as minhas duas gestoras de conta?

- Não estranhes! Este é o período das transferências...

- Fico irritado com estas mudanças. Já tenho saudades do tempo em que, atrás do balcão dos bancos, por anos, havia sempre o mesmo sr. Almeida ou o sr. Gonçalves...

- Tu não tens saudades desses empregados. Tens é saudades do tempo em que havia bancos...

Meia dúzia de tweets desportivos

- Nestes jogos olímpicos o Bahrein está cheio de Obikwelos.

- Na hora na morte, é costume abaterem-se as bandeiras. Havelange foi um modernizador da FIFA, mas foi outras coisas menos boas.

- As Caraíbas tiraram muitas medalhas aos EUA em especialidades de velocidade. Não é novo, mas é notável.

- Tanta se reza no início das provas olímpicas! Lá em cima, deve ser uma confusão para "arbitrar"...

- Foi lamentável a vaia ao saltador de vara francês pelo "caseiro" público brasileiro. E parva a comparação feita com Berlim em 36.

- Portugal perdeu nas disciplinas com raquete apenas por culpa própria: os melhores ficaram na minha praia a dar-me cabo do juízo.

terça-feira, agosto 16, 2016

Medalhas

Acho alguma piada à desilusão nacional pela falta das medalhas olímpicas!

É claro que seria muito melhor obtê-las, mas fico bastante satisfeito pelo facto do país mais pobre da Europa ocidental, que hoje faz um investimento mínimo no desporto de alta competição (tirando o futebol, porque aí mete "massa da grossa"), consiga, apesar de tudo, ter alguns atletas que se qualificam nos dez primeiros do mundo. 

E fico orgulhoso por muito desse Portugal ser das cores da diversidade (não apenas étnica, mas também social) de que hoje, cada vez mais, é feito este meu país.

Eça agora




Eu pensava que Eça de Queiroz era um dos poucos consensos nacionais (verdade seja que não consultei nem Vasco Pulido Valente nem Alberto Gonçalves, esforçados profissionais nacionais do dissenso). Porém, há uns meses, um amigo surpreendeu-me. Trata-se de alguém bastante conhecido e que, tendo eu feito uma citação qualquer de Eça, me disse: "Eça, sendo um excelente escritor, reduziu o país a algumas caricaturas autoflagelatórias com que hoje nos comprazemos de forma comodista".

Devo dizer que percebo esse amigo, embora discorde dele a 1000%. Eça fez um retrato a preto e branco de um país em decadência. Uma decadência que não parou, desde então. Foi um retrato escrito ao longo de anos, o que significa que esse próprio esquiço de Portugal também não deixou de acompanhar a evolução do próprio Eça, o modo como a sua relação com o país se foi alterando - e esta é uma realidade que frequentemente não é tida em conta, como se tivesse havido apenas um "único" Eça.

Foi o realismo, às vezes quase maniqueu mas sempre com algum traço afetivo, com que Eça nos serviu uma multiplicidade de "characters", que fez com que o país passasse a dispor, projetados numa escrita genial, de uma multiplicidade de figuras-limite que, a partir de então, "colamos" às sucessivas realidades do país. Aos Conselheiro Acácio ou os Dâmaso Salcede continuamos a encontrá-los pelas esquinas e, olhando para a comunicação social de hoje, quantos Melchior ou Palma Cavalão não andam ainda por aí! Ou alguém tem dúvidas que "A Corneta do Diabo" era a premonição evidente de um tablóide matinal de cujo nome, como diria Cervantes para um certo lugar na Mancha, não me quero lembrar?

O meu colega de profissão José Maria Eça de Queiroz morreu faz hoje, dia por dia, 116 anos. Com 54 anos. Em Paris, seu último posto diplomático, como sucedeu a outras figuras portuguesas admiráveis, como Mário Sá Carneiro, Afonso Costa ou Gérard Castello-Lopes. Morrer deve ser chatote, mas Paris é, com toda a certeza, uma bela cidade para se morrer.

segunda-feira, agosto 15, 2016

A Moagem e eu


Um amigo atento ao que escrevo - tenho outros que me chamam a atenção sobre aquilo que não escrevo - disse-me há pouco: "Isso de tratares o Diário de Notícias como o "quotidiano da Moagem" não é muito bonito!". Confesso que não sei se foi o mesmo que, há alguns meses, me chamou a atenção por ter designado o Público como "a estimável folha da Sonae".

Ora bem! Que fique claro que o facto de eu poder criticar, aqui ou ali, o trabalho de alguns jornais só prova, desde logo, que os leio. E revela, em especial, a minha estranheza por encontrar, por vezes, nesses mesmos órgãos de comunicação social, aquilo que tenho por falhas ou imprecisões, que acho menos dignas da qualidade a que me habituaram. 

Quanto à Moagem, desculpem lá! Era o nome popular da Companhia Industrial de Portugal e Colónias a qual, por muitos anos, foi a proprietária do jornal. Creio que foi em Artur Portela Filho que li, pela primeira vez, essa referência. Eu sei que hoje já não há colónias (embora ironicamente as ex-colónias tenham regressado ao DN...), que se tivesse sido concretizada a vontade de alguns figurões, que ainda andam por aí algarviar lérias, já quase não havia Portugal, mas a imagem da Moagem ainda me atrai. Tal como me atrai esta deliciosa imagem de Stuart, que retrata a sede do DN na Avenida da Liberdade, aliás creio já passada a patacos para mãos estrangeiras. 

Assim, nesta confortável inimputabilidade de leitor (e de ocasional colunista convidado do DN), apetece-me hoje dizer: que pena que o DN já não seja da Moagem! 

Rigor

Há-de haver alguma diferença entre a "Voz de Sanguinhedo" e o "Diário de Notícias"!

No primeiro periódico, se acaso existisse, era desculpável que algum plumitivo amador atribuísse a Jorge Sampaio a expressão que ele nunca proferiu: "há mais vida para além do défice".

Mas a uma senhora jornalista profissional, com uma coluna de opinião com foto sorridente numa página ímpar do "Diário de Notícias" (recordo que, nos jornais, as ímpares, salvo a última, são mais importantes do que as pares), não é admisível essa referência (mesmo que atenuada com o "atribuída a") que, além de rotundamente falsa, tem de injurioso tudo quanto alguns têm com ela procurado fazer ao longo de anos. Injúria que este novo artigo prolonga e assim aduba, por muito que possa não ter sido essa a intenção. É que, no jornalismo, ao contrário do que dizia o manholas de Santa Comba para a política, o que é parece.

Se a "silly season" na redação do quotidiano da Moagem não der tempo para ir ao Google, pode sempre ler aqui (e não tem nada que agradecer)

O mês de 40 dias

Na minha cabeça, tenho o ano dividido em dois períodos, muito desiguais em dimensão: de setembro a dezembro e de janeiro a julho. Estes são os meus dois "semestres". Agosto é a pausa.

Para mim, o ano começa, verdadeiramente, em setembro. É um mês diferente de todos os outros, com menos "eventos" mas não com menos compromissos, bem pelo contrário. Arrumo (ou penso arrumar) nele muitas coisas, no caminho para os onze que se seguem. Depois, outubro e novembro são meses cheíssimos. Só lá para 20 de dezembro é que tudo estaca. A pausa natalícia prolonga-se até à primeira semana de janeiro, quando tudo rearranca, de novo bem a sério. Fora o período da Páscoa, todo esse segundo "semestre" é muito intenso, apenas com as festividades em junho a atenuar o ritmo, mas com as aulas a reforçá-lo. Como já estou muito longe do tropismo obsessivo para o turismo, fico a ver os meus amigos, entre maio e junho, a avançar para "as viagens".

A maior diferença que senti entre os anos de vida em que estava numa atividade profissional oficial, "from nine to five", e a atípica "aposentação" que se aproxima dos quatro anos, são os meses e julho e dezembro. No passado, esses eram meses de transição para tempos de férias, já de um relativo "phasing-out" laboral. Hoje, não: verifiquei que a atividade privada acelera fortemente na última quinzena de julho e na primeira de dezembro. Foi uma descoberta interessante.

Quando vivi na Noruega, ouvia dizer que o dia de hoje, o 15 de agosto, era "o início do inverno". Também convém não exagerar! Mas há pouco, ao acordar, confesso que senti, como dizia o poeta", que já "cheira a setembro". Aliás, confesso, ando a preparar esse mês há largas semanas. São muitos os amigos com quem já troquei o clássico "então, combinado!, almoçamos lá para setembro!". Se acaso todos esses almoços de "rentrée" viessem a ter efetivamente lugar, setembro seria um mês de 40 dias. Úteis, claro.

domingo, agosto 14, 2016

Fidel

Julgo que por uma questão etária, a Revolução cubana nunca fez parte das mitologias políticas a que fui particularmente sensível. A mim, disse-me sempre muito mais, por exemplo, a guerrilha vietcong no Vietnam do que a aventura da Sierra Maestra. Mesmo as peregrinações posteriores de Guevara, do Congo à Bolívia, levei-as à conta de um voluntarismo romântico, simpático mas algo inconsequente.

Dito isto, é impossível, para alguém da minha geração, não ter tido alguma afetividade pelo movimento que conduziu ao derrube de Fulgêncio Baptista e pelo desafio orgulhoso aos Estados Unidos em que Cuba se erigiu, em especial num tempo em que Washington, à luz de uma cínica realpolitik motivada pela Guerra Fria, se tornou protetor de várias sinistras ditaduras, um pouco por toda a América Latina.

Li o que julguei necessário sobre Cuba e, um dia, passei por lá uns dias, bem fora das zonas turísticas. E, devo confessar, não gostei muito do que vi. Chocou-me a desesperança triste de alguma gente com quem falei. 

Já não vivo num mundo maniqueísta que me leve a justificar a flagrante ausência de liberdades e a vida miserável - repito, miserável - daquela gente como contraponto óbvio das pressões externas, nomeadamente com os malefícios do ridículo bloqueio americano. 

Por tudo isso, os 90 anos de Fidel, ontem completados, não suscitaram em mim qualquer particular emoção.

sábado, agosto 13, 2016

Conversas no Pereira (4)

- Acho que não vamos ter mais nenhuma medalha nos Jogos Olímpicos.

- Que pessimista! Por que é que dizes isso?

- Porque o Marcelo já regressou do Brasil.

- Ora essa! Que tem uma coisa a ver com a outra?

- Tem tudo! Não é ele que distribui medalhas pelos portugueses?

Desordens

Não sei como hei-de dizer isto sem ofender algumas classes profissionais, mas não posso calar o sentimento de que, em certos setores, as Ordens parece terem caído a pique no nível dos dirigentes que nos dias de hoje elegem. 

É talvez a "proletarização" de certas atividades que a isto conduziu, mas faz-me confusão ver eleitas para cargos de bastonário pessoas que, por exemplo, foram objeto de processos por conduta profissional incorreta.

Tinha-me habituado a ver num bastonário, não uma espécie de "duplo" dos dirigentes sindicais da classe, mas figuras referenciais na profissão, personalidades prestigiadas junto dos seus pares, sempre contidas na palavra, com a utilização desta a revelar peso, com prestígio que facilitasse a interlocução com os poderes. O que se vê mais por aí (com exceções, diga-se) são figuras de terceira ou quarta linha, truculentas, sem autoridade moral, de palavra vulgar.

Se acham que esta nota foi suscitada por um artigo que acabo de ler no "Público" sobre a Ordem dos Advogados, não se enganaram.

Memória pouco militar

O "Diário de Notícias" de hoje traz uma longa e interessante entrevista com o cineasta João Botelho. Andámos juntos no liceu e somos daquela espécie de velhos amigos que se encontra a espaços, às vezes com anos de intervalo. Quase sempre no "Snob", da última vez num ensoleirado "ferry" fluvial.

Há dias, num grupo de amigos, contei uma historieta com mais de meio século, em que me recordo que o João também figurava. 

Creio que na dúvida sobre se conseguiríamos entrar no exame para universidade, alguns de nós, no Verão de 1966, em Vila Real, começámos a treinar no Regimento de Infantaria 13 as provas de acesso à Academia Militar. Confesso que, à distância, me não estou a ver com um futuro castrense e, até hoje, pergunto-me por que diabo me prestei a esses exercícios masoquistas, que incluíam o sinistro "galho", o "pórtico", o muro, a vala e outras provas que vim a reencontrar menos de uma década mais tarde, quando involuntariamente me vi militar a prazo. No termo desses treinos, e essa era a melhor parte, organizávamos partidas de futebol, juntando os tais "voluntários" que nós éramos com pessoal da unidade, em especial os oficiais que nos orientavam. E acabávamos com um copo na messe.

Um dia, numa dessas ocasiões, vimos ao longe dois soldados de mão dada. O nosso espanto foi imenso. A cena era insólita numa sociedade como a portuguesa, há 50 anos, ainda por cima dentro de uma unidade militar. Imagino os sorrisos e dichotes irónicos que ela terá provocado, na reação machista tradicional e então quase de regra. 

Fomos interrompidos, nos nossos comentários, por um sargento: "Não é o que pensam!" Olhámos surpreendidos para o militar, que nos contrariava o pensamento óbvio. Ele explicou: "É gente que vem de aldeias isoladas muito longe, da zona do Barroso, que está fora pela primeira vez da sua terra. Aquele gesto é um sinal de fraternidade e de mútuo apoio, face ao isolamento que sentem. Não são homossexuais" (a palavra usada não foi essa). 

Com os anos, voltei a assistir a gestos semelhantes em África, em especial em países árabes e sempre me recordei desse episódio. De uma coisa estou certo: se a cena se voltasse a repetir no Portugal contemporâneo, a nossa presunção de há meio século seria seguramente confirmada.

Não acredito!

Alguns dirão que esta é uma atitude gratuita, não fundamentada, porventura preconceituosa. Outros considerarão que releva de falta de respeito político pelo governo, mesmo de incompreensível ausência de solidariedade para com gente que é minha amiga. 

Será o que quiserem e adoraria estar enganado, mas não consigo acreditar que o grupo de trabalho criado para tratar da questão da prevenção e combate aos fogos florestais, cujas conclusões irão a conselho de ministros no Outono, vá resultar em algo substancialmente relevante, que possa ter um impacto significativo no estado de coisas que se vive em Portugal. É uma descrença de quem já viu este "filme" anos e anos consecutivos, que assistiu a inúmeros "agora é que é!" que acabaram por dar no que agora aí se vê.

Pelo que se observa pelo mundo, uma constatação impõe-se: sempre que houver um "cocktail" de condições adversas, com temperaturas altas e baixa humidade, a floresta vai arder de novo. Em Portugal como em Espanha, nos Estados Unidos como na Austrália. Pode é arder mais ou menos, dependendo das condições criadas para o evitar.

A minha teimosa falta de crença nas soluções que aí vêm liga-se ao que entendo ser a inevitável continuação de dois fatores negativos, que Portugal não vai conseguir superar: a sua estrutura fundiária, com gente cada vez mais ausente das zonas rurais ou que é proprietária de terrenos que não produzem o rendimento suficiente para sustentar a sua limpeza, e a falta dos recursos financeiros ao Estado para vir a suprir essa lacuna dos proprietários privados, que hoje são detentores de mais de 90% da área florestal do país. Porque nenhum destes fatores pode mudar por obra e graça do "novo banco", tudo vai continuar na mesma. 

O resto, os meios de deteção e prevenção, os de combate aos incêndios e a otimização da sua organização, a repressão dos incendiários e a melhoria da legislação para os punir, bem como o sempiterno "número" salvífico do uso dos militares, isso é outra parte da história. Uma história que eu receio acabe da mesma maneira que tem acabado ao longo de vários governos, isto é, em "águas de bacalhau".

Que fique claro: não tenho soluções miraculosas, não sou especialista no assunto, nem sei mais do que um qualquer outro cidadão. Mas tenho o meu inalienável direito à "fezada", neste caso à falta dela, e exerço-o aqui.

sexta-feira, agosto 12, 2016

O abraço de Marcelo


Anda aí um pequeno debate sobre o abraço de Marcelo a uma vítima dos incêndios na Madeira. Desde os neo-marcelistas recém-convertidos com o amplexo até aos detratores irónicos que acham haver politiquice no gesto.

Conheço pessoalmente Marcelo Rebelo de Sousa há bastantes anos. Não votei nele (votei António Sampaio da Nóvoa, para que não haja dúvidas), mas tenho consideração e simpatia pessoal por ele. Espero, com sinceridade, que o país ganhe com a sua presidência. Já está a ganhar, pelo contraste feliz que faz com o seu sombrio antecessor. Quem, no fim, julgará isso? Eu, claro, porque sou dono da minha opinião, como o sou do meu voto.

Porque creio conhecer suficientemente o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, estou totalmente seguro de que aquele abraço, aquela emoção, aquele gesto são de uma total genuinidade, representam um instante solidário para com um deserdado da sorte, por parte de quem, sendo o presidente da minha República, é acima de tudo um homem com sentimentos.

Neste mundo de teorias conspirativas e de claqueiros de teatros de sombras, as pessoas esquecem que as coisas, às vezes, são bem mais simples do que parecem.

Ninguém morre de véspera


Regressemos ao final de 2015, ao momento em que António Costa surpreendeu o país com o acordo parlamentar que proporcionou a « geringonça » que nos tem governado. 

Lembremo-nos do tom patibular de Cavaco Silva, da deselegância política com que reagiu ao entendimento parlamentar que reconduziu a esquerda ao poder. Recordemos o « roadshow » revanchista que a antiga maioria promoveu pelo país, tentando incendiá-lo politicamente contra a nova solução governativa. Elenquemos as « cassandras » (nas quais me incluo) que davam por certa a incompatibilidade entre socialistas e os companheiros da « frente popular ». Tenhamos presente as previsões que garantiam que Bruxelas, que detesta ver a « esquerda da esquerda » perto do poder, iria fazer vergar o primeiro orçamento, esmagar com sanções o défice herdado dos seus « amigos » e criar uma guerrilha permanente que transformasse este num Verão em que do calor não resultassem só incêndios. E quantos não foram, à pressa, reler a detestada Constituição, tentando perceber os meses que faltariam para que o futuro presidente de direita dissolvesse o parlamento, convocasse eleições e retornasse os seus ao poder ?

O futuro é sempre mais imaginativo do que os homens. A maioria, embora sacudida pela chantagem do sindicalismo paleolítico e por umas flores legislativas « fraturantes » que a sua natureza obrigou a adotar, demonstrou uma inesperada capacidade para trabalhar em conjunto. Com maior ou menor esforço e sucesso, ultrapassou algumas crises, como a dos contratos de associação com o ensino privado, polémicas de conjuntura, como a demissão de João Soares ou os governantes « voadores », ou ratoeiras herdadas do passado, como o Banif ou a Caixa. 

A crise das (não) sanções acabou por gerar um momento de indignação nacional, que atrapalhou a oposição e colocou o país atrás de António Costa. O Euro futebolístico acabou por reforçar o otimismo com que o sorriso do primeiro-ministro tem vindo a acalmar um país que, em boa medida, viveu estes meses num surto de alguma esperança, de recuperação de rendimentos e de uma « oxigenação » salutar do seu quotidiano.

Seria de uma grande injustiça não pôr também a crédito do novo presidente da República uma fatia importante da descrispação que o país atravessa. Mas não nos iludamos. Por muito boa vontade que Rebelo de Sousa pudesse ter, se tudo se tivesse desconjuntado, por exemplo, em matéria de finanças europeias, as coisas não estariam como estão.

Em perspetiva, há que convir que a « geringonça » soube ultrapassar os grandes testes com que foi confrontada. Até ver, a avaliar pela nervoseira raivosa que provoca nos seus opositores, saiu « melhor do que a encomenda ». O futuro ? É só amanhã ! Ninguém morre de véspera.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, agosto 11, 2016

Anedotas

- Por que é que não escreves um livro de memórias?, perguntei hoje a um amigo, durante um almoço em que nos contou alguns episódios, bem divertidos e interessantes, da sua vida diplomática.

- Porque são simples anedotas, respondeu.

A palavra portuguesa "anedota" concentra dois conceitos que, em língua inglesa, são distintos: "anedoct" e "joke". Enquanto que este último é uma "piada", uma "graça" para gargalhar, o primeiro aproxima-se mais daquilo que por aqui "pratico", isto é, a historieta que descreve uma situação ocorrida, em geral divertida ou espirituosa, mas não necessariamente hilariante. Deve ter sido esta a perspetiva do meu colega.

Em qualquer das suas aceções, o conceito, contudo, não deixa de ser desqualificador. Publicar anedotas, ou melhor, resumir uma vida a um percurso de episódios mais ou menos divertidos, é um passo discutível, concedo. Há uns anos, li um livro divertidíssimo de um diplomata estrangeiro que, de tão obsessivamente recheado de historietas, em geral titulada por outros, quase fazia esquecer o seu próprio percurso pessoal.

Fiquei a pensar que, lá no fundo, essa será porventura a principal mas não assumida razão pela qual nunca perdi umas horas a recolher deste blogue algumas das largas centenas de historietas que por aqui tenho vindo a deixar registadas, desde há mais de sete anos, transformando-as num livro, como às vezes me sugerem. É porque detestaria que a imagem de uma profissão a que dediquei quatro décadas da minha vida pudesse ser marcada no imaginário de quem me viesse a ler, em letra de forma, pelo tom deliberadamente "light" que por aqui utilizo. 

Esta é uma decisão definitiva? Sei lá! Não disse que era uma decisão irrevogável...

quarta-feira, agosto 10, 2016

Os sorrisos de Luanda



Foi no domingo, num fim de tarde alentejano, com o sol a declinar sobre o mar, como esta imagem (medíocre) atesta. De súbito, olhando a paisagem, perguntei a quem ia ao meu lado: "Isto não te lembra nada?". A resposta foi "Luanda".

Em rigor, não era bem Luanda, era a estrada que saía de Luanda para sul, passada a Samba e a Corimba, o Costa do Sol, a misteriosa zona presidencial do Futungo, a caminho do Quilómetro Dezassete, onde uns "camaradas" procediam "ao reconhecimento das viaturas", antes de entrarmos no longo percurso até à barra do Quanza. Depois de novo controlo na ponte - "já há kwachas por aqui!", dizia-se, nos últimos anos -, seguia-se pela reserva da Quissama até a um ponto alto de onde se descia para Cabo Ledo, para as belas lagostas do Mário, cozinhadas em água do mar. Praia, conversa, almoçarada longa e divertida e regresso à capital, com paragem obrigatória no Morro da Lua, para um último whisky, seguida de pores do sol magníficos, que gozávamos como versões lusotropicais da "National Geographic".

Esta era a vida privilegiada de alguns diplomatas, técnicos estrangeiros, "cooperantes" e amigos angolanos, nos domingos luandenses dessa segunda metade dos anos 80, que quase sempre ainda acabavam numa jantarada generosa em casa dos "Guedais". Na véspera, no sábado, o programa tinha sido, em geral, o Mussulo, uma romagem em barcos com arcas frescas e vitualhas, que saíam sabe-se lá bem de onde.

Éramos, há que reconhecer, uma quase obscena "ilha dourada" nessa cidade de grande pobreza, onde afluiam dos campos centenas de milhares de refugiados, expulsos pelo conflito, que viviam um musseques cada vez mais gigantescos e miseráveis. Cruzávamo-los pelas ruas, nas suas deslocações, a pé sob o sol a pique ou atafulhados em "combies" abafantes, a caminho do sustento. Eram milhões, mas só conhecíamos alguns, aqueles que trabalhavam para nós, junto de quem absolvíamos, com gestos facilmente simpáticos, o nosso íntimo desconforto.

Às vezes, raras, essa nossa Luanda tocava, em algumas ocasiões públicas ou sociais, estratos da classe política angolana, nesse tempo muito radicalizada politicamente, com muito escassa propensão à ostentação, vista talvez como inconforme com os rigores do conflito que atravessava o país. Era gente quase sempre esforçadamente distante de nós, com menos compreensíveis (ou, se calhar, nem tanto) exceções, que afivelava uma lusofobia oficiosa militante, atenuada à chegada à Portela de Sacavém, para visitar a família.

Luanda era então, recorde-se, uma cidade em guerra, quase sitiada pela instabilidade, pelos rumores de erráticos incidentes. A Norte, podia passear-se até ao Cacuaco, a Leste até Viana - mas para ir aí fazer o quê? Arriscar uma avaria e, em tempo sem telemóveis, "entrar numa fria"? Frequentes eram os cortes de energia elétrica, as falhas de água, havia imensa malária, as escassas lojas estavam quase vazias, os imensos mercados populares estavam muito aquém dos limites da salubridade, os serviços públicos eram altamente deficientes, os hospitais e clínicas de evitar a todo o custo, havia dois ou três restaurantes "íveis", imprevisíveis na abertura e a "fazer-se caros" nas reservas, era zero a oferta cultural (salvo filmes repetidos à exaustão em ruidosos e algo caóticos cinemas ao ar livre e livros soviéticos ou aparentados traduzidos, à venda numas livrarias manhosas, onde, de português, só se encontrava o "Avante!"). Nas madrugadas, entre a meia-noite e as cinco, era proibido circular durante o "recolher obrigatório", exceto com salvo-conduto cuja eficácia sempre temíamos, atenta a distração, às vezes etilizada, das tropas de serviço.

E, no entanto, esse foi um tempo magnífico das nossas vidas! De amizades para a vida, de histórias deliciosas, de convívios memoráveis. Um tempo único, talvez porque a idade também ajudasse. Tenho muitas imagens que me ficaram de Luanda. Uma boas e outras más. Faço um deliberado esforço para só guardar as primeiras. E, dentre elas, guardo sempre os sorrisos.

Fiquei com os sorrisos alegres, às vezes desdentados, das simpáticas quitandeiras dos mercados, preocupadas que algum "camarada ladrão" nos assaltasse a carteira. Os sorrisos ingénuos dos jovens soldados nos controlos das estradas, que se rasgavam com um maço de tabaco ou uma cerveja. O sorriso resignado daquela logista onde, ingénuo, entrei para comprar algo que estava na vitrine e que, nesse imenso armazém cheio de prateleiras vazias, me retorquiu com ironia triste que aquilo era "para encher montra". O imenso sorriso e a gargalhada franca do Sambo, o empregado do "grill" do Trópico, quando com ele inventávamos ágapes imaginários, garrafeiras míticas, num teatro amigável e divertido, com que procurávamos dar a volta à realidade trágica dos dias.

E, principalmente, lembro-me muito bem dos sorrisos abertos das crianças. Aqueles filhos de pescadores do Mussulo a quem levávamos o "lanche", as sandwiches e as Coca-Cola, que sorviam como um banquete. E as crianças da vizinhança do "compound" da embaixada, que por anos nos diziam adeus a dançar para as nossas janelas, das casas pobres onde viviam, quando, pelos Natais, lhes trazíamos de Portugal caixotes de brinquedos que os nossos sobrinhos tinham já posto de lado. Nunca esquecerei o brilho daqueles olhos. Que será feito deles? Sorrirão?

Quarta-feira de Ramos

Houve hoje por aqui, fruto das distrações da "silly season", um troca de nomes. Parabéns, agradecimentos e desculpas aos leitores atentos.

terça-feira, agosto 09, 2016

Os livros e as férias


A minha relação com os livros, em férias, é muito complexa. E, invariavelmente, frustrante, embora eu disfarce isso perante mim mesmo, com relativo sucesso.

Em miúdo, em casa da minha avó, lá por Viana do Castelo, durante as férias, passei a dormir, por vários anos, num divã colocado na biblioteca. De três grandes armários envidraçados surgiam-me as lombadas de uma imensidão de livros, na maioria encadernados, numa escolha que não era muito óbvia mas que correspondia aos interesses culturais de um tio por afinidade - o tio Túlio - que morrera antes de eu nascer e cuja biblioteca ficara como a sua imagem póstuma. (Às vezes penso que é possível fazer um perfil bastante aproximado de alguém através dos livros que deixou ao longo da vida). Durante alguns anos, olhava para aquilo como cenário. Depois, com artes, acedi à chave e, sem o menor critério, ou melhor, com critérios erráticos de quem não tinha para isso a menor orientação, lá fui lendo (às vezes só algumas páginas de) livros um pouco ao acaso. Era o tempo em que a banda desenhada me ocupava quase obsessivamente as horas  - e nunca me perdoei disso.

Noutro cenário de férias, na casa do meu avô, em Bornes de Aguiar, ao lado das Pedras Salgadas, o ambiente da disponibilidade bibliográfica tinha a caraterística de ser mais eclético, mais caótico e muito mais contemporâneo (bastante fornecido por um tio que vivia em Lisboa e era dado à curiosidade pela literatura). Havia de tudo por ali, mas, estupidamente, não me lembro de ter aproveitado devidamente muito de bom que podia ter lido, que poderia ter ajudado fortemente a colmatar falhas graves que permanecem na minha cultura no terreno da ficção. O que eu por ali então li, em grande prioridade, foram livros sobre a Segunda Guerra mundial, sobre as relações Leste-Oeste ou artigos das Seleções do Reader's Digest. De romances, apenas alguns Camilo e Redol, ou romances da guerra, de Leon Uris ou Erik Maria Remarque. Ou então uma coisas chatíssimas, mas informativas, de Fernando Namora, sobre uns encontros de debate internacional a que assistira, na Suíça.

Um dia, para todos nós, as férias passam a ser da nossa exclusiva conta. E os livros que para elas levamos também. De início, havia muito "whishful thinking": livros que "havia que ler" mas que, durante o ano, nos não apetecia ler. Se eram coisas "pesadas", menos razão havia para ir carregado com esses monos, muitas vezes coisas "essenciais" mas ai damais impossíveis de digerir em ambiente estival. (Recordo-me que o mais próximo que estive de ficar deprimido alguma vez na vida foi, numas férias algures na Beira, quando dei por mim a soçobrar a meio do segundo volume do "Traité d'Economie Marxiste", de Ernest Mandel. Talvez por essa razão, senti um imenso alívio, há dois anos, quando ofereci os três volumes dessa obra do pensador trotskista belga à Biblioteca de Vila Real, para integrar o espólio de milhares de livros meus que para aí vão caminhando com o tempo).

Desde há muitos anos que, incluída na bagagem para as férias, há a chamada "saca dos livros". Tem sempre entre 30 e 50 volumes e, não raramente, alguns deles transitam de ano para ano. Por lá figuram obras "virgens", compradas num momento de inconscinte otimismo num dia bem disposto numa livraria, de que nunca abri um página. Outros são livros que comecei a ler, que ascenderam à pilha sobre a minha mesa de cabeceira, mas que foram lentamente submergidos por outros. Um dia, aí de três em três meses, quando a resma começa a inclinar-se, qual "torre de Pisa", são retirados alguns para uma estante de apoio, também estategicamente existente no quarto de dormir, que funciona como uma espécie de "banco de suplentes". Aí se vão acomodando, sem o menor critério temático, à espera de melhores dias, isto é, das férias. A sua inclusão na "saca dos livros" (de longe, a mais incómoda peça da nossa bagagem, ou, como diz a munha mulher, que "a que pesa como chumbo") é uma espécie de rebate de consciência, de autocrítica subliminar, de ilusão de que posso vir a fazer a devida justiça a essas obras que, numa noite, foram friamente desprezadas, trocadas por uma qualquer novidade editorial mais apelativa e prometedora.

Há mais de duas décadas, por uma razão pontual, fui obrigado a fazer férias sozinho. Estive quase duas semanas numa já desaparecida pousada alentejana e, logo no dia da chegada, arrumei mais de meia centena de livros por todo o quarto. Nos dias seguintes, notei que o pessoal me olhava com uma inusitada curiosidade. A notícia devia ter circulado. Eu não tinha, humanamente, a menor hipótese de ler aquilo tudo, ainda por cima (mas julgo que não chegaram a esse ponto de análise) eram obras muito díspares, sem a menor coerência entre si. Ao final de alguns dias, com um estatuto já meio "da casa", à conversa com a jovem diretora da pousada, o assunto derivou para livros, para o que se quer (e deve) ler e o que é realisticamente é possível. Ela não podia assumir que sabia que o meu quarto estava estranhamente atulhado de livros, pelo que fez uma conversa "à volta", perguntando se eu estava a escrever algum. Matei-lhe a curiosidade, mas perdi de caminho boa parte do mistério criado, quando lhe expliquei que, das dezenas de livros que sempre levava comigo para todas as férias, só em anos muito excecionais eu conseguia ler mais do que um quinto de todos os títulos. Na vida, expliquei-lhe, o que é bom é podermos ter à disposição, à "mão de semear", em abundância, o que nos pode trazer prazer, com a total liberdade da escolha a fazer parte integrante desse mesmo gozo. Não sei se ela ficou com a impressão de que eu estava a "fazer-lhe a folha" quando, juro!, só estava a tentar reproduzir, por outras palavras, o dito batido de Pessoa: "Ai que prazer / não cumprir um dever. / Ter um livro para ler / e não fazer!"


segunda-feira, agosto 08, 2016

A pergunta eternamente sem resposta


Era, com toda a certeza, o resto de uma conversa que nascera ainda no carro, a propósito de limites de velocidade, e que se prolongava agora à mesa do restaurante.

O miúdo tinha um ar de "sabichão", óculos de aros grossos, daqueles que querem saber tudo. Falava com uma voz agaitada, estridente e algo irritante, que ecoava por toda a sala. A pergunta era "simples":

- Mas, ó mãe, se cá é sempre proibido andar a mais de 120, porque é que deixam vender carros que "dão" mais?

A senhora olhou em volta, embaraçada, sem saber o que dizer, com o puto a insistir, alto, "diz lá, mãe!"

Não a pude ajudar, porque justificar perante uma criança uma chocante hipocrisia da nossa sociedade é algo que não está ao alcance de um simples escriba de blogue.

Obrigado, António

O dia em que é anunciado um novo governo é a data certa para dizer, alto e bom som, que entendo ter sido um privilégio ter como primeiro-min...