terça-feira, fevereiro 06, 2018

Também o Sporting


A conferência de imprensa do presidente do (meu) Sporting, somada às suas declarações na Assembleia Geral da véspera, constituem um belo retrato, realista e “à la minute”, de um certo país ajavardado que por aí anda. 

Com esse país de opereta só compete a total falta de mundo de quem faz o frete mediático oportunista àquele egocentrismo.

Este não é um problema de um clube chamado Sporting Club de Portugal, como o sectarismo de alguns comentários, que com certeza vão poder ler abaixo, tentará Iludir.

O mundo do futebol está tomado por uma estranha aliança entre algumas pessoas tidas por de bem, cegas por uma religiosa devoção a um emblema - no seio do qual só veem virtudes e, à volta, perseguições - com uns jagunços de cara grave e métodos baixos, servidos por uma sórdida canalha de bancada, onde grassa um extremismo acéfalo, o culto da violência e que, frequentemente, roça a criminalidade. 

As primeiras dessas pessoas são a cara, que se pretende aceitável, do sectarismo. Integram, em nome das suas cores, a liga, a federação e esses órgão de gargalhada judicial que fazem parte da chamada “justiça desportiva”. E, claro, vivem próximos da arbitragem, um mundo que, sem sucesso, quer dar-se ares de estar desligado das influências da gestão das carreiras profissionais dos árbitros. Esses representantes de fação garantem, não a desejável neutralidade de todas essas entidades, mas estão ali apenas na tentativa da representação ideal, para os interesses dos seus clubes, na relação institucional de forças. Daí o surgimento das crises cíclicas nesses órgãos, quando os desequilíbrios se produzem.

Os segundos, os dirigentes, são os operacionais do radicalismo e do ódio sectário. Forjam candidaturas, tomam conta dos clubes, vociferam em assembleias gerais, dão entrevistas incendiárias, alimentam constantes polémicas, apimentam as vésperas dos jogos, são gestores da esperança nas vitórias do mundo ululante em torno dos seus emblemas. Muitos são empresários, muitas vezes frustrados, de ramos sofríveis de negócio e em busca de reconhecimento, outros andam por ali a garantir a sua sobrevivência pessoal, tentando que a notoriedade os salve das grades. Houve e haverá também gente séria no dirigismo futebolístico, movida pela simples e respeitável afetividade clubista. Mas são, ao que tudo indica, cada vez menos.

As televisões (o resto conta pouco), à cata de audiências, ”balcanizam” os comentários para poderem garantir que representam, no écran, todo esse país dividido e tenso. E filmam treinos, entrevistam treinadores e jogadores, num cenário de retângulos da publicidade e águas de marca (olhem bem!) a que fazem o frete, fazem “antevisões” ridículas e desnecessárias das “jornadas”, seguem, motorizados, os autocarros das equipas para os estádios, entrevistam populares cachecolados no fanatismo, reportam e passam mil vezes, abutremente, cenas de violência e ódio, adubadas com as polémicas dos penaltis ou dos fora-de-jogo, comentam-nas, recomentam-nas, muitas vezes com recurso a “cromos” caricaturais de cada camisola, uns predispostos a serem assumidos palhaços, outros a armar mais ao fino - quase sempre, por que será?, com uma propensão para escolha de figuras do direito.

É um país muito triste, este que anda à volta de um dos mais belos desportos do mundo.

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Portugal exilado no Brasil


Tive hoje o privilégio de um almoço a dois com alguém que, durante a ditadura portuguesa, esteve exilado no Brasil. Foi muito interessante poder ouvir o testemunho autorizado de uma pessoa que presenciou alguns dos tempos mais importantes desse exílio brasileiro do anti-salazarismo. 

Desde o golpe de Estado que, em 28 de maio de 1926, pôs fim à Primeira República e implantou a ditadura militar, o Brasil foi porto de acolhimento de muitos exilados, de variadas matizes ideológicas. Desde militantes republicanos a comunistas e anarquistas, os vários “Brasis” (porque os tempos no Brasil também foram mudando) receberam, quase sempre com generosidade, quantos procuravam fugir da repressão da máquina salazarista.

Na conversa de hoje, suscitei do meu interlocutor um testemunho sobre esse momento de rutura “epistemológica” que foi a adoção de uma postura favorável à autodeterminação das colónias portuguesas, por parte de setores oposicionistas portugueses no Brasil.

A Primeira República fora colonialista,  com a entrada na Grande Guerra a ser justificada precisamente para proteger o império. Norton de Matos, que titulou a candidatura presidencial oposicionista em 1949, fora governador-geral de Angola e, até ao fim dos seus dias, foi um colonialista assumido. 

Só nos anos 50, quando o PCP, seguindo o espírito de Bandung e as orientações do Comintern, passou a adotar uma postura anti-colonial é que essa orientação penetrou, a fundo, no debate interno da oposição à ditadura portuguesa. 

Em 1961, com o eclodir da guerra colonial em Angola e a queda da Índia Portuguesa, várias personalidades oposicionistas viriam a assumir uma atitude próxima da do governo português que combatiam, o que induziu fortes tensões. Eu próprio testemunhei, na candidatura oposicionista, em 1969, em Vila Real, a existência de correntes opostas sobre este muito sensível tema, embora com o “ultramarinismo” em crescente perda de força.

O meu interlocutor do almoço de hoje deu-me conta detalhada das clivagens a que a questão colonial levou no seio da oposição portuguesa no Brasil. Ele próprio havia tido com Henrique Galvão, o revolucionário que dissidira e fora preso por Salazar, na luta pela liberdade que este negava ao país, uma discussão forte sobre o tema. Galvão viria a evoluir na questão, mas muitos outras figuras da oposição anti-salazarista no Brasil persistiram nessa postura de recusa do independentismo, algumas até ao 25 de abril.


(Ilustro este texto com uma célebre fotografia de Humberto Delgado e de Henrique Galvão, a bordo do “Santa Maria”)

Os meus dias da rádio


Das funções que passei a desempenhar no Conselho Geral Independente (CGI) da RTP faz também parte o acompanhamento da importante dimensão da rádio no seio da empresa.

Contrariamente à convicção de muitos, nos dias de hoje RTP já não significa Radiotelevisão Portuguesa. A sigla, desde há vários anos, quer dizer Rádio e Televisão de Portugal. É a mesma coisa? Não é. Ela passou a simbolizar a presença da marca RDP (embora com diferentes designações de antena) no seio da RTP. E isso faz toda a diferença. 

Assegurar um excelente serviço público de rádio, nas suas dimensões internas (Antenas 1, 2, 3 e regionais) e externas (Internacional e África), vai ser uma das grandes preocupações do CGI recomposto que acaba de entrar em funções. No que me toca, será mesmo objeto de uma atenção muito particular. Porque a rádio diz-me muito: teve um papel importantíssimo na minha formação e, igualmente, porque vivi muitos anos no exterior, durante os quais nunca deixei de ter a RDP no meu "radar".

Faço parte da geração dos "dias da rádio". No meu caso, das noites. Na minha juventude, nos anos 60, em Vila Real, o Rádio Clube Português (muito menos então a Emissora Nacional, antecessora da RDP), a par de algumas rádios estrangeiras (Radio Caroline, Radio London, Radio Andorra) e da Renascença (em especial com a 23ª hora), era uma companhia noturna regular, com os programas da madrugada, em especial o "Meia Noite" e, mais tarde, o efémero "Europa", de Vitor Espadinha, a trazerem a música que me fez crescer. (Na província não havia FM, apenas Onda Média e Curta, pelo não chegávamos ao lisboeta "Em Órbita"). Ah! e também ouvia, claro, a oposicionista Rádio Voz da Liberdade (de Argel), a Rádio Portugal Livre (de Bucareste), as emissões em português da Rádio Moscovo e o serviço português da BBC. Mas isso era outra "música".

Em 1966, com a ousadia dos meus 18 anos, apresentei-me nos estúdios do Porto do RCP, onde pedi "emprego" sem salário, ao tempo em que fingia estudar Engenharia Eletrotécnica. O Alfredo Alvela, uma voz magnífica da rádio desses tempos, abriu-me então as portas do seu "Clube da Juventude," onde realizei, durante alguns meses, o meu semanal "Tempo de Teatro" (eu era então membro do Teatro Universitário do Porto), com textos do João Guedes e um "gingle" com efeito de eco, feito no vão do elevador do prédio, numa ideia louca, creio que do Jaime Valverde. Ainda no Porto, fiz locução, durante algum tempo, nos Emissores do Norte Reunidos, pelo final das tardes de sexta-feira, num programa a que chamámos "No espaço e no tempo", um nome hoje ridículo, mas que ia muito bem com o ambiente da época.

Quando, em 1968, abandonei Engenharia e fui estudar (dessa vez, a sério) para Lisboa, o "bichinho" da rádio continuava a perseguir-me. Ainda nesse ano, fiz concurso para locução na Rádio Universidade. Lembro-me de duas das provas que me calharam em sorte: ler o texto "Desenhar uma Flor", de Almada Negreiros e, durante dez minutos, sozinho num estúdio, inventar a reportagem de uma chegada dos Beatles ao aeroporto de Lisboa. Fui um dos escassos admitidos, nesse exame, precisamente há meio século.

A estação era propriedade da Mocidade Portuguesa, seguia uma linha oficiosa, mas, devo confessar, em abono da verdade, não terá sido uma razão essencialmente política aquela que me levou a afastar-me do que julgava ser uma vocação para a rádio. Tenho uma vaga ideia de me ter confrontado com um ambiente algo pesado e hierarquizado, em que nunca me senti bem, feito de gente que pouco tinha a ver com a "onda" académica mais agitada em que eu já andava envolvido por essa época. Mas, conhecendo-me, creio que também o facto de me terem exigido que me submetesse a um estágio que ocorria nas socrossantas manhãs de domingo terá pesado bastante e deverá ter sido a gota de água que fez travar o início da carreira radiofónica que chegou a estar nos meus horizontes. A Rádio Universidade era, contudo uma excelente escola de rádio e, recorde-se, foi um viveiro de grandes nomes.

A Rádio Universidade ocupava então um edifício na rua da Estefânia. Passei por lá ontem e está no estado que a fotografia evidencia.

Eugénio Lisboa


O amigo Eugénio Lisboa, uma grande figura da intelectualidade portuguesa, lança hoje mais um volume das suas memórias.

É às 18.30 na Livraria Bucholz, na rua Duque de Palmela. Lá estarei a dar-lhe um abraço.

domingo, fevereiro 04, 2018


Eanes


Em dezembro, apresentei no Porto uma biografia do general Ramalho Eanes, escrita por Isabel Tavares.

Na ocasião do lançamento, dei naturalmente a minha perspetiva pessoal sobre o primeiro presidente eleito nesta era democrática. O que penso, com todos os “mixed feelings” sobre a figura de António Ramalho Eanes, havia já sido fixado neste texto.

O que hoje eu gostava de dizer, com a maior sinceridade, é que a entrevista dada por Ramalho Eanes ao “Expresso” desta semana confirmou plenamente aquilo que muitos admiradores confessos do general vinham desde há tempos a dizer-me: ele fez um percurso intelectual muito interessante, de grande rigor e seriedade, estruturando um pensamento coerente e sólido, de grande verticalidade democrática e forte consciência social. E, claro, revelando o grande sentido de Estado que sempre teve, além do homem de bem que é, conceito em que sempre o tive.

Robert Escarpit


Há quase cinco anos, escrevi no meu blogue um “post aberto” ao jornalista Ferreira Fernandes. 

Numa das suas crónicas na última página do “Diário de Notícias”, ele havia-se insurgido pelo facto dos diplomatas aposentados terem sido aparentemente poupados aos cortes da malta da “troika”. Ora eu, que era aposentado, e que tinha levado uma “talhada” de algumas centenas de euros, entendi dever esclarecer que o jornalista quereria talvez falar dos diplomatas “jubilados”, que é uma coisa diferente de ser-se aposentado, aproveitando, de caminho, para esclarecer as razões pelas quais esses meus colegas não tinham sido objeto de cortes (porque já antes os tinham sofrido, noutro contexto). 

No meu texto, “desculpei” Ferreira Fernandes: “Eu imagino as limitações de espaço da sua coluna na folha de Oliveira, embora, vá lá!, ele seja um pouco mais do que aquele que o Robert Escarpit tinha no "Le Monde" “.

Ontem, no mesmo DN, aproveitando um dia em que tem mais “largueza” de carateres, ocupando toda a última página, Ferreira Fernandes fala bastante de Robert Escarpit, num excelente artigo, que muito recomendo.

Nele refere, “en passant”, aspetos da vida daquele professor de Bordéus que, durante 30 anos, escreveu a tal minúscula e muitas vezes genial crónica (cerca de 700 carateres) na primeira página do “Le Monde”. 

Ferreira Fernandes e eu temos a mesma idade (na realidade, ele é uns meses mais novo...). Começámos a ler o “Le Monde” praticamente ao mesmo tempo, mas não sabia que éramos parceiros na admiração pelos textos de Robert Escarpit. 

Como referi no meu “post aberto”, o jornalista tem, na sua coluna “Um ponto é tudo”, no DN, um pouco mais de espaço do que aquele de que Escarpit dispunha. Mas comunga com ele da qualidade sintética da grande escrita, aquela que faz a diferença entre os grandes jornalistas daqueles que, como dizia Batista-Bastos, são injustamente acusados de o serem.

sábado, fevereiro 03, 2018

Procuro e não te encontro

A senhora Procuradora-geral da República tem idade para conhecer Toni de Matos. Ao ouvi-la falar do segredo de justiça, à margem de um evento qualquer, lembrei-de do “Procuro e não te encontro”, uma canção que há muito teve o seu tempo mas que, pelos vistos, ainda é trauteada nos corredores do palácio da rua da Escola Politécnica.

Nas suas surpreendentes declarações, que não vi suficientemente destacadas, a dra. Joana Marques Vidal, cuja passagem pela chefia do Ministério Público combina aspetos reconhecidamente corajosos com procedimentos altamente desqualificantes para a instituição que lhe coube dirigir, disse, basicamente, esta coisa surpreendente: é a própria lei, feita pelos parlamentares, ao não punir fortemente as fugas ao segredo de justiça, que confere a esse delito um baixo grau de importância. Implicitamente, com esta asserção, as quebras do segredo de justiça passaram à gravidade da falta da antiga licença de isqueiro.

Com a sua espantosa declaração, a senhora procuradora absolve a vergonhosa porosidade existente entre o Ministério Público e alguma selecionada “comunicação social”, que faz com que diariamente transpirem para fora da instituição escutas, peças processuais e informações atempadas sobre ações judiciárias - como há poucos dias se viu, com um jornalista já plantado à porta da residência de um sujeito de buscas. Nem sequer parece preocupá-la o facto de, com toda a probabilidade, haver lá pelos seus domínios gente avençada para providenciar informações que alimentem o escândalo mediático. E, do mesmo modo, fica a ideia de ser-lhe indiferente o princípio da proteção de direitos que frequentemente surgem lesados, muitas vezes com impactos muito negativos no plano externo, pela divulgação de diligências judiciais, que a ética, a deontologia e o interesse de Estado recomendariam que fossem protegidos no sigilo da investigação.

Pela declaração da dra. Joana Marques Vidal, pessoa que tenho por séria mas igualmente por flagrantemente incapaz de controlar setores da sua instituição, percebemos melhor agora por que razão nunca o país chegou a conhecer o resultado de qualquer dos “rigorosos inquéritos” que, no passado, anunciou ir instaurar às quebras do segredo de justiça. É que a senhora Procuradora-geral procura mas, talvez porque não acha isso importante, em geral nunca encontra.

A caminho da década


Este blogue entra hoje no seu décimo ano. Desde o dia 2 de fevereiro de 2009, sem falha de nenhum dia, foram por aqui publicados 6065 posts, sobre tudo “e mais alguma coisa”. Este vai ser um ano de balanço, onde o futuro do blogue vai ser equacionado. E mais não digo, por ora.

sexta-feira, fevereiro 02, 2018

Em três pontos


1. Um dia, na segunda metade dos anos 70, a Embaixada de Portugal em Londres recebeu a visita de um militar de abril, membro do Conselho da Revolução.

Como se impunha, o embaixador ofereceu-lhe uma refeição. O repasto correu de forma simpática, na magnífica sala de jantar daquela que é, sem sombra de dúvidas, uma das mais belas residências que Portugal tem pelo mundo.

Num determinado momento da conversa, o nosso militar deixa cair uma confissão: "Vou contar-lhe um segredo, senhor embaixador: um dos meus maiores sonhos foi sempre poder vir a ser, um dia, embaixador de Portugal em Londres". 

Perante o silêncio protocolar do embaixador, o militar não ficou sem resposta. Um jovem diplomata presente não resistiu e retorquiu: "Tem graça, senhor major. No meu caso, sempre tive como ambição de vida ser comandante da Região Militar Norte"...

O major, inteligente e perspicaz, entendeu o recado. E mudou de conversa.

*****

2. Não sou bruxo. Mas, em 10 de novembro de 2017, escrevi na minha coluna no “Jornal de Notícias” um artigo de que respigo este extrato:

“Mário Soares confessava ter chegado ao palácio das Necessidades, após o 25 de abril, com fortes interrogações sobre a carreira diplomática que, antes da Revolução, tinha defendido externamente as políticas do regime derrubado, nomeadamente a política colonial. Mas rapidamente se terá apercebido de que, com muito escassas exceções, o corpo de funcionários que o MNE punha à disposição do novo regime era constituído por dedicados servidores públicos, com grande sentido patriótico e lealdade funcional ao Estado. 

A democracia e a estabilidade da sua representação externa muito ganharam com a continuidade que Soares então preconizou e veio a prevalecer. Isso não impediu que, em ciclos políticos diferentes, o novo regime não tenha sido tentado a nomear quase uma trintena de “embaixadores políticos”. Desde 2011, não há nenhum chefe de missão exterior à carreira diplomática portuguesa, mas sinto que a tentação poderá não ter desaparecido por completo nas nossas hostes político-partidárias, da esquerda à direita. Espero que a maturidade da democracia portuguesa seja suficiente para, no futuro, ser capaz de resistir às tentações e que o chefe do Estado disso seja um guardião atento.”

*****

3. Acabo de ler que o professor António Sampaio da Nóvoa, antigo reitor da Universidade de Lisboa e candidato à Presidência da República - candidatura a que dei o meu apoio público e o meu voto privado - foi indicado pelo governo para vir a assumir a chefia da representação diplomática portuguesa junto da Unesco.

Sem retirar, naturalmente, uma linha que seja ao que escrevi nos pontos anteriores, quero aqui desejar ao meu amigo António Sampaio da Nóvoa as maiores felicidades no futuro exercício do cargo. Tenho a certeza de que o fará com o brilho e o elevado sentido de Estado que sempre demonstrou em todas as funções públicas que até hoje desempenhou. Para o bem de Portugal.

O regicídio na História


Passaram ontem 110 anos sobre a data em que, na esquina da praça do Comércio para a rua do Arsenal, em Lisboa, o rei dom Carlos e o seu sucessor natural foram assassinados a tiro por dois republicanos, eles próprios linchados nos minutos seguintes ao atentado. 

O debate historiográfico nunca conseguiu definir se este acontecimento ajudou, ou não, a acelerar a implantação da República, que viria a acontecer menos de três anos depois. Teria dom Carlos conseguido evitar o que veio a suceder ou o destino do regime estava já marcado? Ninguém o pode dizer com segurança. A única coisa que parece evidente é que as tensões políticas e sociais que desembocaram no regicídio tinham vindo progressivamente a agravar-se e que nada indicava que o regime pudesse vir a gerar condições para passar a uma fase de maior aceitação popular, compatível com a manutenção da coroa na chefia do Estado, em condições político-institucionais sustentáveis. Bem pelo contrário.

O republicanismo, em especial nos setores maçónicos que haviam estado na base de desgaste da Monarquia, manteve, por bastantes anos, uma aura em torno dos autores do regicídio, Alfredo Costa e Manuel Buíça, tidos como mártires da causa. Com o tempo, porém, foi deixando cair discretamente essas referências, talvez por ter entendido que o culto de um ato de violência extrema era um património de memória em crescente perda de aceitabilidade pública.

É compreensível que os monárquicos portugueses continuem a olhar esta data com o sentimento de que ela representou o princípio do fim do regime em que se reviam. Porém, vendo as coisas com um mínimo de realismo, estou certo de que nem eles próprios ainda acreditam, nos dias de hoje, na viabilidade da reimplantação do regime monárquico, embora abandonar essa esperança significasse para eles desistir da própria causa. 

Pode, contudo, especular-se que, se outros tivessem sido os equilibrios no seio das forças armadas portuguesas durante a ditadura, talvez a Monarquia pudesse ter sido equacionada como hipótese. Mas Salazar, não obstante ter óbvias simpatias monárquicas, sempre considerou que esse cenário induziria clivagens entre os militares, os quais, no final de contas, eram a sua guarda pretoriana. De uma coisa não tenho a menor dúvida: se a Monarquia tivesse tivesse sido recuperada pela ditadura, teria caído com ela. 

Como republicano, por mais de uma vez me tenho interrogado sobre como devo olhar o regicídio. E dou comigo a pensar que querer julgar o passado representa uma visão sobranceira por parte do presente, com os padrões de hoje a tentarem prevalecer sobre quem viveu outros tempos e outras circunstâncias. E, assim, deixo ficar o regicídio na História a que pertence.

quinta-feira, fevereiro 01, 2018

O senhor 5%


Calouste Gulbenkian, de quem herdámos - sim, nós fomos os seus verdadeiros e reconhecidos herdeiros! - uma Fundação que é hoje um dos orgulhos do país, era conhecido no mundo dos negócios como o "senhor 5%", por ter conseguido garantir, pelas artes negociais que eram as suas, uma quota de 5% em várias companhias petrolíferas que operavam no Médio Oriente. 

As receitas do petróleo foram, durante décadas, o sustentáculo financeiro da Gulbenkian, em apoio da magnífica obra desenvolvida, que foi basicamente dedicada a Portugal, em domínios muito variados - da arte à música e ao ballet, da ciência à educação, da promoção da reflexão à edição e divulgação do livro e a mil-e-uma outras dimensões da Cultura. Quantos milhares de portugueses não beneficiaram da Fundação, das suas bolsas de estudo, da sua ação no exterior (Paris e Londres), que nunca esqueceu as comunidades arménias, origem do seu fundador?

O petróleo já teve melhores dias e a Gulbenkian teve de reorganizar os seus ativos por forma a garantir recursos fora desse domínio energético. Foi agora anunciada a alienação das participações petrolíferas da Fundação. Só posso desejar à equipa que hoje gere a Gulbenkian, dirigida pela minha querida amiga Isabel Mota, o maior sucesso nesta que será uma etapa diferente no percurso da casa.

Deixo-os com uma fotografia da estátua de Calouste Gulbenkian, que domina o jardim fronteiro à sua belíssima sede. Diz-se que Salazar, cuja relação com o criador da Fundação e seu primeiro presidente, Azeredo Perdigão, não era isenta de algumas tensões, ao ver pela primeira vez essa estátua terá comentado: "O Calouste Gulbenkian parece-me bem. Já o Dr. Perdigão não está lá muito parecido...", referindo-se ironicamente à águia estilizada em pedra que sobrepuja a imagem do fundador.

Educação de adultos


Há uns tempos, contei por aqui a merecida atrapalhação de uma avó a quem ouvi os netos criticarem por não ter estar a respeitar uma fila, num balcão de café. 

Ontem, no Chiado, ouvi, com prazer, um miúdo retorquir para a mãe, que insistia com ele, numa passagem de peões: “Não atravesso! Está encarnado!” 

Tenhamos esperança no futuro!

quarta-feira, janeiro 31, 2018

Cruz de Cristo




Ao final da tarde de hoje, vou estar presente numa cerimónia oficial em que, por razões que não vêm ao caso, terei de usar, na lapela, a insígnia da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, distinção com que orgulhosamente fui distinguido, há bem mais de uma década. Trata-se da mais elevada condecoração, na ordem e no grau, que, como servidor público, eu poderia ter recebido - a menos que, patetamente, me considerasse merecedor da Torre e Espada...

Um dia, em França, onde sair à rua sem a condecoração mais elevada que se possua é quase um ato de descortesia cívica, decidi colocar na “boutonnière” a insígnia dessa minha condecoração portuguesa. Fi-lo a título excecional, porque, em regra, usava o Grande-Oficialato da Ordem do Mérito francês, que me foi atribuída em 1986 - e que, à vista de um “maître” de restaurante, sempre me garante logo uma excelente mesa... Mas, nesse dia, por uma qualquer razão, decidi “pôr o cristo”, como no jargão diplomático se diz.

Entrei numa cerimónia pública francesa com roseta vermelha sobre uma fita amarela na lapela da Grã-Cruz de Cristo e reparei que as pessoas olhavam para mim com um ar estranho, entre o surpreendido e o perplexo. Foi então que um amigo, o embaixador polaco em França, um homem que havia sido chefe do Protocolo no seu país e, por essa razão, muito conhecedor dessa coisas, me observou, discretamente: “Francisco, você não deve usar essa sua Grã-Cruz da Ordem de Cristo em França, como sabe...”

Como dizem os brasileiros, nesse instante, “caiu a ficha”! Ele tinha toda a razão! Há mesmo uma legislação francesa, do século XIX, que proibe a exibição pública, no território francês, das insígnias da Ordem de Cristo portuguesa e da Ordem de Cristo da Santa Sé. Eu sabia disso, mas tinha-me esquecido!

Porque é que isso acontece? Por um motivo simples: essas condecorações são exatamente iguais, no tocante à roseta usada na “boutonnière”, à “Légion d’Honneur”, a mais alta condecoração francesa. E porque, em França, quem usar indevidamente condecorações está sujeito a uma potencial prisão, as distinções similares estrangeiras estão banidas. É claro que, cono embaixador, eu nunca poderia ser preso em França, mas, no limite teórico, poderia ser considerado “personna non grata”. se persistisse em usar publicamente a Ordem de Cristo portuguesa.

Retrospetivamente, posso imaginar o que pensou quem me viu com aquela condecoração: como era completamente implausível que eu tivesse a Grã-Cruz da Légion d’Honneur (até hoje, só vi os presidentes da República francesa usarem-na, porque é de atribuição raríssima!), devem ter julgado que estavam a ver mal ou que eu estava a usar um elemento decorativo de muito mau gosto. Fiquei contente, assim, com o aviso do meu amigo polaco.

Contava-se nas Necessidades que, um dia, a um importante diplomata português foi perguntado pelo embaixador francês, numa receção em Lisboa, se a condecoração que ele exibia era a Ordem de Cristo, embora num grau mais baixo do que a Grã-Cruz. O nosso diplomata, "modesto", terá respondido: "Non! Ce n'est que la Légion d'Honneur"!" (é apenas a "Légion d'Honneur")

A cambada do “alegadamente”

Dias felizes são os que vive a palavra “alegadamente”. Alguns plumitivos, injustamente acusados de serem jornalistas (como dizia o Baptista-Bastos), acordaram, nos últimos anos, para o facto de que, utilizada que seja esta palavra, podem acusar quem quer que seja das maiores barbaridades, sem correm o risco de poderem ser considerados caluniadores.

Assim, quando virem escrita ou dita, nas rádios e televisões, a palavra “alegadamente”, caros leitores, já ficam a saber: os factos referidos na notícia não estão provados e quem a propaga e difunde é um cobarde que, não querendo assumir a responsabilidade do que afirma, se esconde canalhamente atrás do vocábulo. Sinal dos tempos. Estejam atentos!

terça-feira, janeiro 30, 2018

Antologia


Alguns simpáticos leitores têm vindo a propor (sem o menor sucesso) que eu passe a livro textos que por aqui são publicados.

Há dias, uns amigos mais chegados (gosto muito da palavra) fizeram-me uma excelente “partida”: editaram e ofereceram-me um exemplar único de uma antologia de textos que por aqui foram já publicados, mas apenas aqueles onde figuram referências a Vila Real e Viana do Castelo. Ficou um belo volume encadernado, com imagens a cor e 430 páginas! 

Gostei imenso, mas nem assim me convenceram a avançar para uma edição mais alargada.

As palavras e os atos


segunda-feira, janeiro 29, 2018

Dias de rei


As monarquias constitucionais europeias colocam um desafio importante aos soberanos de hoje. Tendo perdido, em todas elas, o essencial dos poderes que caraterizaram um outro tempo do exercício do seu papel no Estado, os reis, raínhas e afins funcionam, essencialmente, como fatores simbólicos de representação do país.

Com uma parte significativa da opinião pública - mais nuns países do que noutros - a colocar em causa o princípio dinástico na chefia do Estado, os monarcas atuais vivem sujeitos a uma atenta observação pública. Na minha perspetiva - embora cada caso seja um caso -, alguns monarcas estão sob uma implícita aferição pública da sua “utilidade”, a qual, porque decorrente da crescente dessacralização das suas funções, se torna dia a dia mais exigente.

Passado que foi, há muito, o tempo da sua intocabilidade pela comunicação social, os soberanos e as suas famílias têm de aguentar esse forte escrutínio, porque as sociedades democráticas não olham com bons olhos os privilégios e as mordomias, obrigando-os assim, cada vez mais, a seguirem uma vida que se assemelhe à do comum dos cidadãos. Os gastos com as famílias reais ou similares são hoje objeto de um debate muito estrito, sendo o respetivo comportamento social seguido com um interesse que vai da medíocre coscuvilhice tablóide à compreensível exigência ética.

Além disso, uma coisa é clara: todos os monarcas, no que toca à vida política, seguem por caminho muito estreito, porque a sua cada vez mais discutida legitimidade dinástica em nenhum instante se pode contrapor às instituições com representatividade democrática. Daí que a palavra dos reis e afins seja de “ouro”. Os reis não podem dizer uma palavra a mais e, em especial, essa palavra estará logo a mais se for vista como inadequada.

Aos reis que não necessitam, minimamente, de se mostrar na arena política o que é pedido é que sorriam e representem com dignidade o Estado. Aos outros, àqueles que a conjuntura obriga a intervir na coisa política, exige-se um imenso bom senso. E o bom senso não nasce necessariamente com as pessoas - e os reis são pessoas.

O rei Juan Carlos, num momento delicado da vida espanhola, revelou um bom senso que, lamentavelmente, foi perdendo numa fase mais adiantada da vida. A popularidade da monarquia espanhola perdeu com isso, somada ao comportamento negativo de outros membros da família real.

A Juan Carlos, que abdicou, seguiu-se Filipe, um novo rei que parecia bem preparado e capaz de assegurar a continuidade. Falhou, contudo, logo no primeiro teste sério a que foi sujeito. O que tem dito sobre a Catalunha, bem como o “timing” dessas intervenções, revela falta de respeito por muitos espanhóis, deixando-se acantonar num dos lados da barricada, não percebendo que não é esse o seu papel. Mais recentemente, ao ter suscitado o caso catalão numa intervenção no Forum de Davos, Felipe VI revelou uma imensa ausência de bom senso e de sentido de Estado.

Se as coisas vierem a correr mal na Catalunha, Filipe VI pode ter contribuído para isso. Se correrem bem, dificilmente terá alguma coisa a ver com isso.

domingo, janeiro 28, 2018

Há dez anos...



Caramba! Eu queria mesmo fazer uma festa pelos meus 60 anos! “Sexagenário” é uma palavra que começa bem e acaba mal, mas que nos oferece um título garantido do “Correio da Manhã” em caso de distração urbana: “Sexagenário atropelado...”. 60 anos era uma idade bonita, madura, quase clássica! Impunha-se uma festa “à maneira”, no Brasil, onde eu estava como embaixador.

Mas aquele dia 28 de janeiro de 2008 ia fugir ao meu controlo. É que o príncipe dom João (só seria dom João VI em 1813), dois séculos antes, havia decidido decretar a Abertura dos Portos da colónia, na sua inesperada paragem em Salvador da Bahia, precisamente no dia 28 de janeiro de 1808.

E não é que o brasileiros comemoravam essa data com oficial entusiasmo, tendo o embaixador de Portugal sido convidado a intervir na imensa cerimónia que teria lugar na Associação Comercial da Bahia, em cuja sede, numa parede, figura este imenso quadro de Portinari, retratando a corte recém-chegada de Lisboa? O dever estava antes do prazer!

Assim, “por mor de” dom João, a festa - porque alguma festa houve! - dos meus 60 anos acabou por ser em “petit comité”. Acabámos a jantar serenamente (lembro-me que bem!), com uma amiga e um amigo, no claustro do belo Hotel Convento do Carmo, em Salvador da Bahia. E acompanhados de uma viúva: a “Veuve Clicquot”...

Old days

A internet fez desaparecer a ansiedade boa com que, em tempos passados, recolhíamos jornais, nos escaparates dos aeroportos.  Hoje, tudo par...