domingo, dezembro 25, 2011

"Vim a pé!"

Fiquei gelado, quando ouvi a frase: "Vim a pé!".

Era uma noite de inícios de 2009, em Montfermeil, uma cidade na periferia de Paris, onde há hoje fortes tensões étnicas e em que vive uma significativa comunidade portuguesa, felizmente alheia a essa triste realidade. Vínhamos a sair da "mairie" em direção a um pavilhão gimnodesportivo, onde iria ter lugar uma recolha de fundos para um ação social, organizada por um cidadão português, que eu tinha decidido apoiar com a minha presença.

No trajeto entre os dois espaços, ia casualmente acompanhado de um simpático casal português, já idoso. Como muitas vezes acontece neste tipo de circunstâncias, perguntei-lhes de onde eram e há quanto tempo estavam em França. O marido disse-me ser da Beira, creio que de Sabugal, e que tinha chegado a França em 1967. Comentei a coincidência desse ser precisamente o ano da minha primeira deslocação a este país. Lembrava-me bem que saíra de Lisboa, da "rotunda do relógio", à boleia, no final de julho, chegando a Paris no dia 4 de agosto.

"E o meu amigo como veio?, perguntei.

"A pé. Vim a pé", respondeu-me, com grande serenidade, sem qualquer dramatismo.

"A pé? Desde Portugal? Não apanhou nenhuma boleia? Não fez parte do caminho de comboio ou de autocarro?

"Não, vim a pé, todo o caminho, da minha terra até Champigny, com uns amigos. Demorei algumas semanas a chegar", adiantando-me um número de dias que não fixei, mas que era impressionante. Explicou-me então que dormiam nas bermas das estradas e que cantavam, para se animarem. "Rebentavam-nos os pés, mas tinha de ser", explicou, com um sorriso de total naturalidade.

Intimamente, sem o deixar transparecer, eu estava chocado. Tinha ouvido falar muito das trágicas condições em que os portugueses saíam do país nesses anos 60 e 70, das passagem da fronteira "a salto", dos "passadores", da exploração de que eram objeto por parte de outros seus compatriotas, das condições quase infra-humanas do seu transporte para França e Alemanha, mas - imperdoável desconhecimento meu! - nunca ouvira dizer que alguns haviam palmilhado todo o caminho em direção a um futuro em que colocavam toda a esperança.

Hoje, dia de Natal, lembrei-me desse nosso compatriota de Montfermeil. Na pessoa dele, desejo o melhor Natal possível às centenas de milhar de portugueses que, com dificuldades muito diversas, foram forçados a abandonar o seu país e que aqui ajudaram, com o seu trabalho e com a sua dignidade, a tornar a palavra seriedade um sinónimo de Portugal. Nunca lhes agradeceremos demais por isso.

12 comentários:

Anónimo disse...

Aqui está uma história que serve bem para ilustrar que na história de um país só se conta a parte que interessa!

Não só emigraram a pé, os nossos emigrantes, como muitos morreram no caminho e não ficaram para contar! Esta malta fugia da fome e sarpavam aldeias inteiras!

O regime de Franco, era identico ao de Salazar/Marcelo, e por isso haviam redes organizadas para corromper as policias espanholas até aos pirineus!

Mas houve outra migração que é pouco retratada que foi a dos intelectuais e tecnicos superiores que tinham acesso às redes de informação e inteligência do PCP !

A suécia, pais que ficou neutral na 2ª guerra, atriu para sim, para trabalhar nas suas industrias a melhor mão d obra Portuguesa. Muitos lá ficaram e outros regressaram ! Esses emigravam com estatuto de fugitivo politico !
A pugente industria sueca da época também deve alguma coisa aos
portugueses.

Este assunto da emigração foi colocado na actualidade pela mão do governo. Para uns, o governo está mostrar caminhos para fugir da miséria que se espera, para outros é uma demostração das fraquezas do governo, no pais que governa e que nos conduz à tal falta de soberania sobre as questões economicas e sociais, nas mãos da Troika.

Ontem, nas visitas aos amigos, só se falava na emigração. O zequinha estava em Angola, o Jorge tinham ido para o Panamá. A filha do Artur esta a querer ir para Angola ensinar EVT e seguir os conselhos do Passos ; O Pedro estava em Bali ; O xico queria voltar para Quelimane ! Enfim , está tudo a fazer as malas ...

Ogman

margarida disse...

Obrigada por nos recordar o sofrimento dos outros em dia de esfusiamentos às vezes vácuos.
Este é o espírito do Natal.
Sabe, excelência? V.Exa. é mais crente que muitos.
Beijinho.

Isabel Seixas disse...

De facto há histórias de vida que merecem ser mencionadas como exemplo, até para nos fazer valorizar o bem que sempre tivemos.E é claro que concordo na integra com a Margarida.

Anónimo disse...

Será também bom lembrar aqueles que irão novamente nestes tempos ter de se dirigir a outras paragens face à crise que atravessamos.

Teresa disse...

Uma história impressionante.
A estalagem dos Ténardier, nos Miseráveis, era em Montfermeil.

Votos de um santo Natal.

Anónimo disse...

Se todas as histórias da emigração falassem, quantas não levantariam sentimentos de revolta contra os verdadeiros  responsaveis por estas insuportáveis trajetórias!
Felizmente que os governantes de hoje até arrebentariam de vergonha só de imaginar uma tal saida para os portugueses, sejam eles desempregados...
José Barros

Unknown disse...

Muito obrigado, caro Amigo.

Esta sim, esta é uma estória de emigração não aconselhada numa época em que o salto era uma forma dolorosa de fugir à crise, à ditadura, à censura e à guerra colonial

Hoje é o que se sabe.

Uma das mais belas estórias de Natal que já li em toda a minha vida Quanto sofrimento nela se revela; chegar a pé à França é comovedor. Para mim, pelo menos.

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,
Fez-me lembrar aquele senhor que veio para França com o melhor fato que tinha na altura. “O fato do casamento” como ele me contou. E como teve de deixar a mala ao passar dos Pirinéus, não tinha mais roupa nenhuma.
Logo que chegou a França, encontrou trabaho nas obras. E foi logo trabalhar... de fato. Só no fim da primeira semana, com o primeiro salário, arranjou tempo para ir a uma loja de Champigny, com um amigo, comprar roupa de trabalho.
Durante uma semana, serviu massa vestido com o fato de casamento... e calçado com sapatinhos de vernis!
Feliz Natal Senhor Embaixador.
Carlos Pereira

Anónimo disse...

Obrigado Embaixador por nos lembrar .....
Bom Ano de 2012
PSx

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,

Também eu visitei Paris pela primeira vez em 1967, por ocasião da viagem de fim de curso.
Beirão que sou, já tinha na imigração familiares, vizinhos e colegas da instrução primária. Não surpreende, por isso, que tenha desistido de ir visitar as fábricas renault incluídas no programa da viagem e tenha rumado a St. Denis para "ver" tudo o que pudesse.
Saído do metro, indago junto de uma senhora que pelo lenço preto e demais vestimenta percebi que era portuguesa ( aliás, acompanhada de um jovem a fumar Cintra) qual o melhor autocarro para o destino que me propunha.
Insensatamente, deixei cair que tinha chegado na quinta feira e que regressaria na terça seguinte. Foi então que a senhora se volta para mim e com a voz entre suplicante e maternal me diz algo que nunca mais esqueci: "Você é novo demais para desistir. Isto ao princípio é muito duro. Mas depois já os entendemos e, se se trabalha no duro, também se ganha bem. Por amor de Deus não desista". Prometi-lhe que sim, que iria tentar, incapaz de lhe dizer que estava ali em simples viagem de finalista depois de uma longa tourné pela Escandinávia.

antónio fernandes

Helena Oneto disse...

Bonito conto de Natal para guardar e relembrar.

patricio branco disse...

A história impressiona e a fotografia que ilustra não podia ser mais expressiva. Gostei muito de ler, não ia comentar, mas dei hoje comigo a pensar nisto da emigração portuguesa ou dos portugueses que emigraram (uso a palavra emigrar e seus derivados, que não aparecem no texto, pois a prefiro neste momento e contexto).
Creio que a emigração portuguesa é antiga, de séculos, forçada ou voluntária, escolhida por necessidades de se exilar do país, por razões religiosas, politicas ou económicas, ou mesmo por aventura. A inquisição e a ditadura fizeram emigrar. A pobreza fez-nos emigrar.
Há familias luso descendentes com quase 2 séculos em regiões longinquas, nos eua, hawai, açoreanos que se dedicavam à pesca e que se foram contratados por pesqueiros americanos, nos tempos da moby dick. Do hawai foram para outros sitios,como australia, onde tambem se fixaram. Encontram-se ainda apelidos portugueses em familias por esses sítios.
Há os que foram nos secs 18, 19 e 20 para o brasil, os dos brilhantes do brasileiro, da brasileira de prazins ou o brasileiro soares. Há os do meu país derramado na gare de austerlitz.
Afinal nunca a emigração parou embora há uns anos pensássemos que ia parar e se dariam regressos. Mas imediatamente recomeçou, para os sítios tradicionais na europa e para novos, reino unido, espanha,jersey, recomeçou em força. Tambem para angola e outros paises do grupo de lingua portuguesa.
A história contada na entrada, dos que foram a pé para frança, é um episódio impressionante, uma epopeia portuguesa, uma odisseia que começa na terra deles em portugal e termina na frança, em champigny.
O tema voltou agora a estar na ordem do dia e deu polemica. Não por a emigração ter recomeçado, mas por ter sido publicamente sugerida. A saída continua, outros sapatos vão romper-se na caminhada para fora.

Fora da História

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