quarta-feira, setembro 23, 2015

Sylvia Athayde


Morreu a Sylvia Athayde! Confesso que ainda estamos em estado de choque. Há meses, numa passagem sua por Lisboa, não conseguimos ver-nos, como era sempre de regra. E agora, nunca mais teremos aquele sorriso aberto, aquele humor, aquela conversa à volta das coisas que nos eram comuns, dos conhecidos que partilhávamos, mas também do futuro, do Brasil e de nós. Era uma conversa sempre calma, suave, sem deixar de ser incisiva e muito atenta a tudo. Através dela, percebi melhor a Bahia, o sentido da complexa política local, os clãs e os seus conflitos, a graça imensa de um terra onde está, melhor que em qualquer outra parte, a alma cruzada do Brasil. Portugal, que ela amava como poucos brasileiros, fica a dever-lhe anos de contínuo interesse pela nossa cultura, que tão bem tratou no Museu de Arte da Bahia, que superiormente dirigia. O grande oficialato da Ordem do Infante Dom Henrique que recebeu em 2007 atesta o modo como Portugal também a reconhecia.

Conheci a Sylvia logo da primeira vez que fui à Salvador. Passou a ser nossa companhia permanente nas muitas vezes que por lá voltei. Ajudou-me muito a dar dignidade e projeção à contribuição portuguesa para a parte baiana das comemorações dos 200 anos da chegada da corte. Nenhum interesse português lhe era alheio, por nós movia mundos e fundos. Só uma grande insistência dela me conseguiu convencer a fazer um simples jantar a quatro, no Hotel Convento do Carmo, depois da gongórica comemoração oficial da "abertura dos portos", que dom João teve a triste ideia de ir decretar logo no dia que, dois séculos depois, iria ser o do meu 60º aniversário...

A nosso convite, esteve em Brasília a falar da passagem da corte portuguesa por Salvador. Depois de eu sair do Brasil, mantivemo-nos em permanente contacto. Visitou-nos por mais de uma vez em Paris, nas viagens que ela adorava fazer pela Europa da cultura. Em Lisboa, era ela quem nos mostrava novos restaurantes, de tal modo conhecia a cidade, aliás como todo o país, que percorria de lés-a-lés, cuja arte nos descrevia com detalhe e saber. Tinha amigos fiéis e devotados um pouco por todo o mundo, porque era uma mulher generosa, bem disposta, muito atenta a quem dela gostava, amante da vida que agora lhe fugiu, aos 75 anos.

Isto não é um lugar comum que se diz quando alguém morre: a Sylvia vai-nos fazer muita falta!

(Deixo aqui uma nota publicada na imprensa brasileira)

2 comentários:

Anónimo disse...

Sylvia Athayde era uma grande amiga de Portugal e a quem Portugal muito deve. Realizou múltiplas exposições sobre temas portugueses no "seu" Museu de Arte da Bahia. Tive a sorte de poder participar em duas dessas iniciativas e em lançar um livro importante nas suas excelentes instalações. Sylvinha, como os seus amigos lhe chamavam, tinha um gosto requintado e as suas mostras eram sempre objecto de grande sofisticação, muito para além dos parcos recursos humanos e financeiros de que dispunha. Nas duas exposições itinerantes em que trabalhámos juntos, a qualidade da apresentação nunca ficou atrás da de outras cidades brasileiras, em princípio mais ricas. Riqueza também era a caracteristica maior de Sylvinha com os seus amigos que recebia como ninguém, na sua casa da Bahia com uma vista verdadeiramente espectacular. Tinha grandes amigos em Portugal, como Maria Helena Mendes Pinto, a nossa maior especialista em artes decorativas, felizmente ainda viva, e João Manuel dos Santos Simões, o maior especialista em azulejaria portuguesa e brasileira, infelizmente já desaparecido. Foi a filha deste último, Maria João, que me transmitiu a triste notícia. Deve estar destroçada. Eu estou.

JPGarcia

Cristina A. Perdigão disse...


Conheci a Sylvia há 40 anos na Bahia, numa altura que estive lá a viver, ela e o Johyldo deram-nos um apoio que nunca mais esquecerei. Estarmos em casa deles foram dos momentos mais agradáveis que guardo na memória dos anos que lá vivi, viviam numa casa cheia de personalidade e com uma situação e vista fabulosa (tinham na sua varanda a visita diária de uns macaquinhos mto divertidos...) . O Johyldo tinha acabado de estar em Portugal a estudar como bolseiro da Fundação Gulbenkian e entrava como Professor da Faculdade da Bahia e a Sylvinha trabalhava no mesmo ramo (não me consigo lembrar concretamente onde) e é dessa época que eu quero relembrar este casal tão diferente e especial que eu conheci na minha vida - ao ponto de os ter convidado para padrinhos da minha filha Sofia e ambos foram, apesar da distância, uns óptimos padrinhos e sempre presentes na vida da Sofia. É exactamente dessa parte humana que guardo as melhores recordações... Portugal era sem dúvida a 2ª casa deles, vinham a Lisboa e ao Porto todos os anos e chegaram a ficar em minha casa, que azafama que era nessa altura...todos queriam estar com eles, todos queriam partilhar das mto agradáveis conversas e troca de ideias....o Johyldo um homem mto suave, tinha o pânico de dizer qualquer coisa que pudesse ferir a sensibilidade do amigo, a Sylvia era a vida em pessoa...não parava, estava sempre a pensar no que podia fazer...nunca estava cansada para fazer mais alguma coisa!
Depois da morte do Johyldo dedicou TODA a sua vida ao SEU Museu e à cultura e arte Luso/Brasileira. A última vez que estive na Bahia, a Sylvia tinha acabado de montar uma exposição sobre os Biombos Namban que estava a ser um sucesso. Eu não sou a pessoa mais indicada para falar dessa parte da vida da Sylvia (não sei porquê, mas sempre a tratei por Sylvia), espero que outros o façam, porque ela MERECE! vou ter mts saudades da minha "comadre" como ela dizia cada vez que se referia a mim! ela vai fazer mta falta à nossa cultura e à nossa alma...

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