sexta-feira, fevereiro 19, 2016

O novo rotativismo



Se acaso um dia, por um consenso que infelizmente não vislumbro, decidíssemos passar a ser um país (a) sério, haveria que rever o triste procedimento que são as mudanças nas chefias de órgãos e departamentos do Estado, que entre nós ocorrem sempre que muda o ciclo político.

O argumento eterno é o da “confiança” para levar à prática as orientações do novo poder. Sob essa capa, verifica-se uma espécie de direito natural de atribuição daquilo que os britânicos consagraram como “the jobs for the boys”. Com os anos, as democracias mais sólidas conseguiram institucionalizar mecanismos para limitar a discricionaridade na distribuição de lugares à mesa do orçamento, enquanto que em Portugal tudo continua praticamente na mesma, não obstante a ilusão criada pela criação da CRESAP, cujos resultados têm mesmo a perversidade de legitimarem o arbítrio.

Imagino que a perspetiva da chegada ao poder deva criar anseios fortes numas largas centenas de quadros, alguns de real qualidade, outros apenas de subserviente fidelidade, que o anterior ciclo havia deixado de quarentena. Também para os gabinetes, logo avançam os recém-licenciados próximos da gente que ocupa a nova titularidade política, ansiosos para obterem umas linhas curriculares que, mais tarde, lhes permitam ganhar esporas para cavalarias mais altas.

Exercer o poder, em Portugal, foi sempre a capacidade para satisfazer clientelas, com truques como as alterações às leis orgânicas, como forma de criar um alibi formal para poder concretizar mudanças nas chefias. Nenhum – repito, nenhum! – ciclo político português escapou até hoje a este lamentável tropismo.

Há mesmo algo de muito dramático, em termos da nossa saúde cívica: é o facto de isto já não escandalizar praticamente ninguém! A opinião pública olha para tudo como uma inevitabilidade, daí retirando a (falta de) consideração que a vida política lhe merece. E os agentes políticos provavelmente pensam que, se os seus antecessores fizeram o mesmo, enxameando a máquina político-administrativa de gente sua, não há outra solução senão proceder da mesma forma. E nunca mais saímos disto…

É diferente quando se trata do PSD ou do PS? Nem por sombras! Julgo que há mesmo um “omertà” que faz com que, salvo casos mais escandalosos ou destacados mediaticamente, ninguém ponha em causa esta espécie de direito de saque, inerente às mudanças de poder. Nos anos mais recentes, o CDS havia conseguido intrometer-se no conúbio PS-PSD, que, de há muito, domina o aparelhamento dos lugares pagos pelo erário público. Será que PCP e Bloco terão agora a sua oportunidade? É que ou há moralidade ou comem todos...

2 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Comme c'est bien dit, mon Dieu! Até parece que estamos lá, nos bastidores dos partidos e nas mentes do candidatos que olham à esquerda e à direita para ver de que lado o vento é mais favorável... Porque de convicções, nada!

Anónimo disse...

Sem poder afirmar coisa nenhuma, faz-me um pouco de impressão a desvalorização da acção da CRESAP. Pareceu-me um avanço enorme na designação de chefias da função pública. Tem corrido assim tão mal?

João Vieira

Os EUA, a ONU e Gaza

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