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quinta-feira, julho 19, 2012

Os diplomatas e as viagens

No passado domingo, no 4º Festival das Artes da Fundação Inês de Castro, em Coimbra, falou-se de "As viagens dos Portugueses cinco séculos depois: Ásia, Brasil, África". Por lá estive, com os meus colegas Marcello Mathias e António Monteiro, recordando experiências e refletindo sobre o que aprendemos nas andanças profissionais da nossa vida. Cada um tinha a sua perspetiva, mas todos tínhamos a consciência de ser os herdeiros coletivos das viagens que outros, em nome de Portugal, fizeram no passado, deixando marcas diversas pelo mundo.

O tema das viagens está, no imaginário público, ligado à vida dos diplomatas. O António Monteiro deixou, aliás, uma história, curiosa e verdadeira, ligada aos concursos de entrada para o Ministério dos negócios estrangeiros. Como ele recordou, na "prova de apresentação" - uma conversa informal entre o candidato e os membros do júri, chefiados pelo secretário-geral, que sempre tem lugar -, havia sempre uma recomendação que era feita aos putativos diplomatas: nunca se "descaírem", dizendo que uma das principais razões que motivava a sua candidatura era o gosto pelas viagens. Uma frase dessas, porque indiciadora de uma motivação lúdica, podia arruinar em definitivo a prova. 

terça-feira, junho 26, 2012

De Leninegrado a São Petersburgo

Há mais de 30 anos, ao tempo em que vivia em Oslo, tive a curiosidade de visitar a União Soviética. Achei que os preços das viagens eram surpreendentemente convidativos. Na véspera da minha partida, falei do assunto a um colega norueguês e logo fiquei ciente daquilo em que me metera: a agência de viagens que eu escolhera estava ligada ao Partido Comunista norueguês e, se calhar, fazia "dumping" ideológico. De facto, no grupo em que, durante duas semanas, estive incluído, muitos foram os que, logo que chegados a Leninegrado, colocaram na lapela uma imagem de Lénine...

A visita acabou por ser muito interessante, feita também por Moscovo e por Ialta, comigo sempre a tentar, para desespero da guia norueguesa, fugir ao espartilho dos programas e reagir à irracionalidade do condicionamento de movimentos. Guardo para sempre algumas recordações impressivas desse país, com uma vida que, à época, pressenti misteriosa, cinzenta e triste.

Hoje, por razões profissionais, estou em São Petersburgo - mas já não em Leninegrado. Para além do nome, muita coisa mudou por aqui, como se sabe. Mas, confesso, tentarei não deixar de revisitar, em homenagem àquilo que é a memória sentimental de uma certa geração, a estação da Finlândia, o Smolny, o Aurora e, claro, o palácio de Inverno, símbolos fortes de uma Revolução de outubro, que em dez dias abalou o mundo, e que, por sinal, foi em novembro.

domingo, junho 10, 2012

Toulouse e o Concorde

Uma história ligada ao Concorde - avião em que, infelizmente, nunca viajei - persegue-me, há anos.

Numa tarde do final do mês de julho de 1969, andava eu pelas ruas de Toulouse e, olhando para o ar, vi passar um Concorde. Até aí, nada de particular: perto de Toulouse ficavam as instalações da Aerospatiale onde se sabia que o avião supersónico estava a ser preparado. O primeiro e bem famoso voo de teste do primeiro protótipo do Concorde havia tido lugar em 2 de março desse ano, também sob os céus de Toulouse, sabendo-se que várias outras viagens experimentais tiveram lugar, a partir daí. Ao longo dos anos, em conversas, sempre referi a curiosidade de, naquela que fora a minha primeira visita a Toulouse, ter avistado o novo avião supersónico, bem antes ainda da sua entrada ao serviço comercial, que apenas ocorreu em 1976.

Mas a que propósito escrevo hoje isto? Por duas razões.

A primeira é porque temo que a história que me habituei a contar não seja verdadeira. Porquê? Porque, nessa deslocação, eu ia acompanhado de várias pessoas que, casualmente inquiridas mais tarde por mim, não têm a mais leve ideia de terem visto o Concorde, na ocasião. Pior do que isso, todas juram a pés juntos que, na altura, eu não terei feito a mais leve referência a esse facto. Terei sonhado? Como sabemos, há coisas que nos convencemos que ocorreram sem que tal tenha acontecido (Talvez um dia, como tira-teimas comigo mesmo, me disponha a tentar obter um calendário dos voos de teste do Concorde, cruzando-os com as datas dessa viagem. E mesmo assim...).

A segunda razão é mais simples, é de mera oportunidade. É que hoje e amanhã vou estar em Toulouse, primeiro para uma cerimónia na "Mairie" com a comunidade portuguesa e, depois, para um espetáculo por ocasião do lançamento do festival cultural "Rio Loco", que este ano a cidade dedica à Lusofonia. Só tenho uma certeza: não verei o Concorde nos céus de Toulouse, porque o avião deixou de voar desde 2003.

sábado, junho 02, 2012

Sapatos vermelhos

Há dias, alguém me dizia que a Ucrânia, onde vai decorrer, daqui a pouco, uma parte do campeonato europeu de futebol, é um dos países mais perigosos do mundo. Fiquei intrigado. Já por lá andei e não me recordo de ter sentido que fosse mais perigoso do que qualquer das outras repúblicas vizinhas. Esse meu velho conhecido esclareceu: "Experimenta ir lá sozinho, sem a tua mulher, e logo verás se não é "perigoso"...". Aí, entendi. E olhando para o impublicável título do grupo de jovens que pretende combater a onda de prostituição que, no seu entender, por lá terá lugar, livre e pelos cantos, para os prolongamentos e para os foras-de-jogo do campeonato, reconheço, de facto, esse imenso "perigo".

A Ucrânia é um grande e belo país, com uma relação sempre muito complexa com Moscovo, polarizado política e humanamente entre uma tentação pró-russa e uma dinâmica favorável a uma maior aproximação com o ocidente, maxime com a União Europeia, que o seu parceiro nesta aventura futebolística, a Polónia, sempre procura estimular. Por lá se cruzam, assim, culturas políticas algo contraditórias, que oscilam entre as dinâmicas autoritárias a leste e os ventos da liberdade que sopram do oeste. E porque, nos dias de hoje, o desporto é uma arma política, graças à potenciação mediática, não nos espantemos se virmos este campeonato transformar-se num palco de reivindicações dessa natureza.

Fui à Ucrânia, pela primeira vez, há muitos anos, ao tempo em que era parte da União Soviética. Viajando numa baratucha excursão norueguesa, passei uma semana nas praias do mar Negro, com a curiosidade acrescida de poder sentir, com os meus próprios olhos, o ambiente do palácio de Livadia, onde, em 1945, muito do destino que o mundo de hoje ainda anda a viver foi desenhado pelas conversas entre Stalin, Churchill e Roosevelt. Sem autorização para sair da cidade mais do que alguns poucos quilómetros, quase sem ter acesso a lojas e com escassos pontos turísticos acessíveis, pouco havia para fazer nessa estranha vilegiatura, numa cidade que já fora deslumbrante e que então sofria de uma decadência sem graça.

Uma tarde, passeando em Ialta, à beira-mar, com ar de uma oriental Riviera datada, demo-nos conta, de repente, de que imensas mulheres que conosco se cruzavam usavam sapatos vermelhos, todos do mesmo tipo. Eram dezenas, sem exagero, umas a seguir às outras. Quase por acaso, fomos dar a um grande armazém, o qual, como era de regra na URSS, muito pouco tinha à venda (ainda me arrisco a ser contraditado neste blogue por algum nostágico, que por lá tenha andado de férias pagas pelo "Komsomol"). Entrámos, escapando a uma fila de mulheres que, de forma paciente, se formava escada acima, não se percebia muito bem para quê. O mistério desfez-se, minutos depois: eram os sapatos vermelhos que "estavam a sair", expressão que, poucos anos mais tarde, muito ouviria em Luanda, nos momentos mais folgados do "socialismo esquemático" (expressão local que significava um tipo de socialismo cujo quotidiano só se podia suportar graças a "esquemas"). Nesse dia, como novidade, só havia à venda esses sapatos vermelhos... Estou certo que as belas ucranianas de hoje já não usam sapatos desses, quanto mais não seja porque muitas foram aculturadas a detestar o vermelho.

A nós, na Ucrânia, em termos futebolísticos, vai-nos competir descalçar uma das botas mais difíceis deste torneio, num grupo "impossível". Se assim não conseguirmos, e como povo que ciclicamente coloca a salvação da sua alma nacional na biqueira de uma Nike, de uma Adidas ou de uma Puma, lá teremos nós um traumatismo... ucraniano!

Em tempo: quanto os resultados, há dias, com a Macedónia e, ontem, com a Turquia, não "liguem": nós sempre fomos um país que cuidou em fazer gestos simpáticos aos candidatos à União Europeia...

sábado, maio 26, 2012

A boleia

Há semanas, num cruzamento de estrada, na Alemanha, e num segundo, veio-me à memória uma história passada na segunda metade dos anos 60, também na parte ocidental daquele país, também numa confluência de caminhos, num tempo em que, em férias, eu percorria a Europa "à boleia".

(Para as gerações atuais, desde as que já usufruíram do Interail até às que hoje usam a Ryanair, pode parecer bizarra aquela forma de viajar. Hoje, praticamente, ninguém dá boleias, por muitas razões, em especial as questões de segurança. Nesse tempo, as coisas eram muito diferentes. Percorriam-se milhares de quilómetros, sem grandes cuidados, com a graça de conhecer gentes diferentes, sem grandes custos, num acumular de experiências bastante ricas. Eu que o diga! Um ano, saí de Lisboa, da Rotunda do Relógio, chegando até à fronteira da Suécia com a Noruega, dormindo em Pousadas de juventude, passando vários dias em Paris, Amesterdão e Copenhague, "mecas" para alguns de uma geração portuguesa que tentava escapar sazonalmente à periferia. E, noutros dois anos, fiz aventuras similares, embora menos ambiciosas.)

Mas voltemos à estrada. Já não me recordo bem qual a cidade do sul da Alemanha que, naquele dia de século passado, eu pretendia alcançar, mas tinha escrito o seu nome a letras grandes na página de um largo bloco que eu utilizava para solicitar as boleias. A certo passo, parou um automóvel, conduzido por um cavalheiro idoso. Num inglês algo macarrónico mas suficiente, confirmou o meu destino e convidou-me a entrar no carro.

Nesse instante, dei-me conta que era uma pessoa que não utilizava os pedais da viatura, devido a uma acentuada deficiência física. Junto ao volante, tinha manípulos para o acelerador e o travão. Terá sido porventura o olhar menos discreto que deitei para tão pouco usuais instrumentos que logo levou o meu disponível condutor a explicar que havia sido ferido na Segunda Guerra, na frente leste. "Foram os russos que me fizeram isto", disse, com uma voz cortante, para logo acrescentar: "E foram também os russos, durante a invasão do meu país, que mataram a minha mulher". 

Não me recordo da minha reação, porque havia muito pouco que eu pudesse dizer, perante a tragédia que afetara, de forma tão brutal, a vida aquele homem. O tempo que vivíamos era de plena "guerra fria", havia ainda duas Alemanhas, os russos e a sua influência estavam por muito perto, apenas a algumas dezenas ou centenas de quilómetros.

O meu condutor sentiu-se estimulado a continuar a falar contra os russos, contra o comunismo, contra o executivo da "grande coligação", entre os cristão-democratas da CDU e os social-democratas do SPD, que então governava em Bona, em particular contra o então MNE Willy Brandt, que ele achava "um traidor", um esquerdista "vendido aos vermelhos". Ora eu, à época, até considerava Brandt um excessivo moderado, e a expressão "social-democrata", no nosso jargão político-radical de então, tinha uma sonoridade quase insultuosa. Por uma proverbial prudência, mantive-me calado, evitando qualquer comentário que pudesse aumentar a quase ira que jorrava do discurso prolixo e incessante do meu interlocutor.

"Mas isto vai mudar, você vai ver! Aqui na Alemanha, estamos a organizar um novo partido, o NPD, e vamos dar a volta a isto. Um destes dias, vamos acabar com esses vermelhos e vamos criar um regime novo. A Alemanha é um grande país. Temos de resgatar a nossa memória e deixar de ter complexos quanto ao regime que tivemos durante a guerra, que só foi derrotado pela aliança entre as democracias corruptas do ocidente e os bandidos comunistas. Vou hoje mesmo para uma reunião do NPD onde, com gente que combateu na Wehrmacht, mas também já com muitos jovens patriotas, estamos a preparar o futuro. Os Brandts e estes democratas traidores que nos governam vão ter a devida lição".

Importa lembrar, chegado a este ponto, que o NPD foi um partido neonazi criado em 1964, que nunca conseguiu fazer-se eleger para o parlamento federal, mas que chegou a estar representado em assembleias estaduais. A sua influência foi sempre muito diminuta na política alemã e alguma radicalização da conservadora ala bávara dos cristão-democratas, a CSU, de Franz-Josef Strauss, terá contribuído para esse inêxito. 

Aquela viagem estava a ser-me muito incómoda. Ia-me enterrando cada vez mais no banco do automóvel, desejoso que aquilo acabasse rapidamente, perturbado por aquele insólito encontro com uma Alemanha que apenas pelos jornais sabia que existia. Mas, ao mesmo tempo, olhando para o drama pessoal daquele homem, até era levado a entender que ele pudesse pensar da maneira que o fazia. Num certo momento, num cruzamento, tive uma inspiração: disse-lhe que, afinal, tinha mudado de ideias e que ficaria por ali, mudando os meus planos de percurso. Parou, eu retirei a mochila do banco de trás, agradeci a amabilidade da boleia e, quando me preparava para fechar a porta, ouvi-o perguntar "Você disse que era português?" Confirmei, para logo o ouvir de volta: "Que sorte que você tem de viver num país que tem à frente o Salazar. Aquilo é que é um homem!".

Não tenho a certeza, mas, baralhado como eu estava e desejoso de me ver livre do neonazi que, no fundo, tão amável tinha sido para comigo, confesso que não estou nada seguro de não ter confirmado...       

domingo, maio 13, 2012

Viagens

Leio hoje anunciado, pelo que deve ser verdade...

No dia 15 de julho, com os meus colegas diplomatas Marcello Mathias e António Monteiro, vou falar em Coimbra, na Quinta das Lágrimas, no Festival das Artes, sobre "As viagens dos portugueses, cinco séculos depois - Ásia, Brasil, África".

O convite partiu do nosso comum amigo José Miguel Júdice e da Fundação Inês de Castro. Esperamos que esta "troika" viajante possa trazer um saldo positivo para a conversa.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

Egito

Há uns anos, visitei, na sua casa no Cairo, um antigo e proeminente embaixador egípcio, que havia tido uma carreira brilhante, iniciada nos tempos de Gamal Abdel Nasser, que se prolongara pelo mandato de Anwar Al Sadat e se concluíra sob a égide de Hosny Mubarak. Era um homem altamente preparado, com imenso "mundo", que havia feito o circuito das mais importantes missões diplomáticas egípcias.

A conversa derivou, a certo passo, para a política, tendo eu evocado a sucessão de Mubarak. O tempo - foi há quase dez anos - das "primaveras árabes" estava ainda longe, mas ousei perguntar se não teria chegado o momento para uma abertura do regime, em direção ao pluripartidarismo, atenta a necessidade de esvaziar as tensões políticas.

O meu interlocutor olhou-me nos olhos e, embora nada surpreendido com a minha pergunta, para ele natural num observador ocidental, retorquiu-me: "Infelizmente, ao final desta minha vida, cheguei à conclusão que o Egito só pode ser gerido por um regime autoritário. As pessoas não estão educadas para a democracia e, se acaso esse sistema viesse aqui a ser introduzido, os extremistas islâmicos acabariam por transformar este país num polo de instabilidade. E os primeiros a sofrer seriam vocês, na Europa e na América, podem crer!".

Um amigo irlandês que me acompanhava nessa conversa olhou-me, na tentativa de perceber como iria reagir, já que tinha sido eu a suscitar a questão. Por respeito pelo idoso diplomata, arranjei um circunlóquio para evitar contraditá-lo, para lhe louvar as vantagens da liberdade, para lhe dizer que, também entre nós, havia quem dissesse que o povo português não estava preparado para a democracia e que, afinal, o sistema tinha-nos conquistado, sem sobressaltos de maior.

Há pouco mais de um ano, voltei ao Cairo. Recordo-me de ter notado, de forma muito nítida, o aumento de véus na cabeça das mulheres, em especial das jovens adolescentes. Confirmei que essa crescente tendência estava a impor-se, com muita rapidez, desde a minha última visita. Um outro egípcio, bem mais liberal, que tentava ajudar-me a interpretar a evolução do país, simplificou a realidade nestes termos: "Para as jovens egípcias, o véu é hoje uma espécie de farda...". Para logo acrescentar, baixando a voz: "Esperemos que não haja guerra!".

Hoje, lembrei-me destas duas conversas que tive no Egito.

segunda-feira, novembro 28, 2011

A TAP e eu

Ontem, fui visitar a TAP nas suas novas instalações em Paris, numa espécie de "inauguração" oficial, um pouco atrasada no tempo, mas feita com o maior dos gostos. Porque eu, confesso, gosto muito da TAP.

Tendo embora uma sólida conta de viagens aéreas em dezenas de companhias, devo dizer que me sinto sempre muito bem quando viajo na TAP. Outras empresas têm aviões mais confortáveis, muitas tiveram ou têm um serviço requintado que a TAP nunca atingiu nem atingirá, mas a TAP é "cá da casa", faz parte daquilo que nos habituámos a identificar no estrangeiro como português - como o pastel de nata, o fado ou a Vista Alegre. Fico satisfeito quando vejo os aviões da TAP nos aeroportos, nunca hesito quando a posso escolher como opção. É, além disso, um belo cartão de visita do país, uma companhia cada vez mais pontual, com um "record" de segurança invejável.

Porque tenho a TAP como "da família", perco mais facilmente a paciência com ela do que com outras companhias, detesto a displicência e os "pontapés na gramática" (principalmente francesa) nas mensagens lidas pelas hospedeiras, tal como fico furibundo com a arrogância das greves que afetam as viagens dos portugueses expatriados, que querem visitar as famílias nas festas ou nos verões. Mas acabo sempre por perdoar.

Nos postos diplomáticos em que estive, sem exceção, mantive sempre um excelente relacionamento com as pessoas da TAP, a quem só fiquei a dever simpatia. Talvez o Brasil tenha sido o país onde, porventura, a minha ação possa ter sido mais útil à TAP, a qual, nessa época, "disparou" em direção a várias cidades brasileiras, tornando-se na verdadeira "ponte" transatlântica que sucedeu ao fim triste da excelente Varig. 

Da vida, todos guardamos na memória alguns momentos especiais de bem-estar. Um dos meus liga-se à TAP. 

Em 1983, eu estava em Luanda, já há nove meses seguidos. Era uma cidade difícil, com imensas carências materiais, num tempo de guerra civil, com recolher obrigatório e a necessidade de limitarmos as nossas deslocações a um perímetro de segurança, já de si relativa. A vida em Angola era complicada, a assistência médica deficiente, o conforto relativo, as tensões, políticas e outras, eram pesadas de suportar. Ao final de todo esse tempo contínuo, de intenso trabalho, já saturado e algo stressado, vim de férias a Portugal. E recordo, como se fosse hoje, o prazer que me deu sentar-me, confortavelmente, num dos (então a estrear, hoje já desaparecidos) Lockheed 1011 TriStar, saborear um gin tónico e, pelos auscultadores de bordo, ouvir, pela primeira vez, Ivan Lins e Sérgio Godinho cantar, de um disco que eu ainda não tinha, "Que há-de ser de nós?".

A TAP vai em breve estar perante algumas escolhas de futuro. Só podemos esperar que a opção que viera ser tomada lhe preserve a qualidade e a sua identidade nacional. Tal como na canção, muitos nos perguntamos: que há-de ser da TAP? 

sábado, julho 09, 2011

A comandante

Ontem à tarde, no início do voo Paris-Lisboa, antes das boas-vindas aos passageiros, ouvi uma hospedeira perguntar para outra: "Digo 'a comandante" ou 'o comandante' ?". Quem dirigia o avião era uma senhora. Disse "a comandante", claro.

Durante o voo, li uma longa entrevista de Maria Filomena Mónica a Anabela Mota Ribeiro, no "Jornal de Negócios". Nela se falava muito dos homens, do papel de afirmação da mulher na sociedade e de uma suposta complacência machista-latinista dominante em França no caso Dominique Strauss-Kahn (quem terá criado esta falsa ideia em Portugal?). Sintomática é a forma como o texto acaba: perguntada pela entrevistadora se a conversa teria decorrido do mesmo modo se tivesse sido um homem a colocar-lhe as perguntas, Maria Filomena Mónica (cito de cor) disse que não, que nesse caso teria sido mais agressiva nas suas respostas.

Não tem muita graça ver o machismo do outro lado do espelho.

quarta-feira, junho 30, 2010

Rohmer e Godard

Clermont-Ferrand é uma terra que já me trazia à memória a "nouvelle vague" do cinema francês, porque foi a cidade onde Eric Rohmer filmou o mítico "Ma nuit chez Maud". Agora, ao ter sido recebido pelo "maire" se chama Godard (embora Serge e não Jean-Luc), esta memória adensa-se.

No passado sábado, estive em Clermont-Ferrand para inaugurar a nova sede de uma associação portuguesa, que este ano comemora impressionantes três décadas de existência. Um fantástica festa de S. João, com milhares de visitantes, provou bem a vitalidade e a integração dos muitos portugueses que vivem na terra de Pascal e capital da Michelin.

sábado, junho 05, 2010

O Português

Em Grenoble e em Lyon concluiu-se nos últimos dois dias, um périplo que o embaixador português em França  tem vindo a fazer por todas as Secções Internacionais Portuguesas em liceus franceses, onde se ensina a língua, a cultura, a história e a geografia. Trata-se de núcleos existentes (infelizmente apenas) em algumas instituições de ensino secundário francês, que contam com a colaboração do nosso Instituto Camões e com o empenhamento dos Reitores das respetivas academias.

No diálogo estabelecido com os responsáveis dessas instituições, ficou-me patente a preocupação oficial francesa em garantir um tratamento à diversidade linguística e cultural existente neste país - pelo que, ao lado do português, encontramos o árabe, o espanhol, o italiano, o alemão, etc. Com toda a simpatia que a excelente cultura anglo-saxónica nos deve merecer, creio ser evidente o interesse, comummente partilhado por Portugal e pela França, de apostar no aprofundamento da diversidade linguística à escala europeia e global, de modo a que o inglês se não converta no "template" único, dominante de forma esmagadora na formação das novas gerações.

No simpático acolhimento que um grupo de estudantes fez, em Grenoble, ao embaixador português, teve lugar uma "viagem" pela memória dos descobrimentos, da música e literatura, para além de uma forte atenção às questões ambientais (onde o embaixador português falhou, com garbo, a dois testes a que foi sujeito...). Interessante lição  foi dada pela ligação entre o património das descobertas e o que daí resultou para o mundo, no tocante à medicina, à botânica, às artes e ao olhar moderno sobre si próprio.

Em Lyon, a poesia portuguesa esteve no centro da cuidada apresentação feita pelos alunos, com uma diversidade de escolha muito interessante de poetas. Aproveitei para assinalar que alguns dos autores escolhidos, como Ruy Cinnati e Reinaldo Ferreira, eram, eles próprios tributários de "viagens" de vida que haviam feito, no caso, respetivamente, por Timor e Moçambique. Também assisti - e colaborei brevemente - numa análise ao papel de Portugal no mundo contemporâneo, com os impactos da adesão à União Europeia em debate.

Ao encontrar, em todas as Secções Internacionais Portuguesas que tenho visitado, alunos de origens diversas - da Guiné ao Brasil, de Angola a Cabo Verde - cada vez mais me convenço de que é muito importante começar a trabalhar numa perspetiva lusófona alargada, aliando os autores de língua portuguesa de diversas origens, que reflitam as várias culturas que nela se exprimem. Qualquer "patrioteirismo" a que alguns possam ser tentados, pode ser que sossegue consciências, mas será apenas um mero adiar do futuro - repetindo, em triste registo, aquilo que, no passado, representou a "negação" lusa da realidade colonial. E, neste contexto, goste-se ou não, a utilização de uma matriz de expressão escrita tendencialmente comum - como a que decorre do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa - vai acabar por ser um instrumento indispensável a esta nova forma de olharmos um mundo que nos é comum.

Em tempo: ver aqui e aqui.

sábado, abril 03, 2010

Bélgica (2)

Para mim, Bruxelas foi sempre um simples destino de passagem. De todas as vezes, e foram algumas, em que se proporcionou ser lá colocado por alguns anos, esquivei-me e fiz outras opções de vida, nalguns casos nem eu sei bem porquê. Passei muitas centenas de horas a trabalhar fechado em salas "europeias" bruxelenses, às vezes com esses dias intervalados apenas por algumas escassas horas de sono. É talvez o insuportável cansaço desses "anos da Europa" que contribui para que, ainda hoje, não valorize suficientemente uma cidade onde sei que muitos desses meus amigos foram felizes e a vida parece ser bastante cómoda. E onde se come muito bem, como o "velho" Ogenblick uma vez mais acabou de comprovar.

Muito por conta dessas muitas visitas profissionais, fui um "frequent sleeper" em Bruxelas. Para além de casas de amigos, dormi por lá em 14 hotéis diferentes, segundo as minhas contas. E é de hotéis de Bruxelas que nasce esta história.

Nos anos 70, da primeira vez que fui em serviço a Bruxelas, levar a mala diplomática, fui recebido por essa figura típica para várias gerações diplomáticas portuguesas que era o motorista da nossa delegação junto da NATO, o sr. Rézo (escrever-se-á assim?). No caminho do aeroporto para a cidade, e para fazer conversa e "armar-me" um pouco, comentei a velocidade de 90 km permitida usando a palavra belga "nonante", em lugar de "quatre-vingt-dix", acrescentando, "como vocês dizem por aqui". O sr. Rézo olhou para mim, surpreendido e quase ofendido, e exclamou: "Mas eu não sou belga!". E logo adiantou um qualificativo muito pouco simpático para os locais. Explicou-me, então, que era francês, de Vallenciennes, e que fora forçado a ir viver para Bruxelas quando a NATO saiu de Paris. Pelos vistos, não apreciara nada a mudança.

O nosso homem tinha, manifestamente, um arranjo qualquer com o Hotel Albert I, na place Rogier (hoje transformado num luxuoso Hilton), onde colocava todos os "correios de gabinete" (nome técnico para os portadores da mala diplomática). Ao tempo, o hotel, que tinha ares de ter sido bom, estava num estado sinistro. No segundo dia, mudei-me e o sr. Rézo não gostou.

Da vez seguinte que fui a Bruxelas, alertei o sr. Rézo, logo à saída do aeroporto, de que havia reservado um quarto em outro hotel, aliás numa esquina quase em frente ao Albert I. Vi que ficou furioso com a suspensão do arranjinho, talvez temendo que o meu exemplo frutificasse noutros colegas, afetando a sua comissão. Para distender a conversa, acabei por perguntar-lhe o que achava do hotel que eu escolhera. Foi seco e claro: "Pas mal pour un bordel...". Vá lá, não era.

Bélgica (1)

Atento o clima da Bélgica, percebe-se melhor o fascínio de René Magritte pelos céus azuis com nuvens breves, de tom quase "naif", que aparecem em muitos dos seus quadros.

Magritte tem, desde há meses, um magnífico museu em Bruxelas. Não estão lá algumas das suas obras-primas, mas o espaço, para além da apreciável coleção reunida, é um repositório interessantíssimo da biografia do pintor, trabalhada em paralelo com a sua "ínclita geração" surrealista.

quinta-feira, abril 01, 2010

Telefones

Sou de um tempo diplomático em que um embaixador ia de férias e se desligava totalmente da Embaixada, ficando esta 100% a cargo do chamado "encarregado de negócios". Tive embaixadores quase "inapanháveis" durante as suas férias.

(Já agora, se acaso virem escritas as letras "a.i." a seguir à expressão 'encarregado de negócios', fiquem a saber que significam "ad interim", para sublinhar que se trata de uma substituição temporária, para os distinguir dos 'encarregados de negócios' 'en pied' ou 'com cartas de gabinete', que asseguram a chefia dos postos diplomáticos nos quais não há embaixador nomeado).

Hoje em dia, sendo os seus números de telemóvel conhecidos de meio mundo, e sem prejuízo da esmagadora maioria do trabalho recair, nas férias, sobre os seus substitutos, pode dizer-se que os embaixadores como que estão ao serviço 365 dias por ano. Se um membro do governo ou um empresário pretende alguma coisa de um embaixador, é-lhe irrelevante se ele está de férias ou ao serviço, apanha-o quando necessário, na praia ou no campo, no país ou no estrangeiro. Verdade seja que isto ocorre em várias outras profissões mas, no nosso caso, conheço circunstâncias em que isso chegou a afetar a cadeia formal de responsabilidades dentro de Embaixadas, perante a respetiva capital. De facto, nesses casos, quem está a chefiar a Embaixada?

Lembram-se, com certeza, desses gloriosos tempos em que, quando os telemóveis não atendiam, se podia facilmente argumentar que estávamos "sem rede", em zonas do Portugal profundo ou num estrangeiro remoto. Como a plausibilidade dessa desculpa é hoje muito reduzida, o mais que se pode dizer é que ser diplomata se transformou numa profissão... sem rede! Mas, que fique claro!, não me estou a queixar.   

sexta-feira, março 26, 2010

Egipto

E, uma vez mais, saio do Egipto sem me cruzar com o professor Grossgrabenstein, esse personagem de "O Mistério da Grande Pirâmide" que Edgar P. Jacobs seguramente criou pela memória futura do meu amigo Caetano da Cunha Reis (se procurarem, encontrarão a sua foto na última fila dos seguidores).

Já agora, se tiverem oportunidade, não percam aquela obra prima da escola belga da banda desenhada.

quinta-feira, setembro 24, 2009

Rios

O tema do Festival de Loire, de que Portugal é este ano convidado de honra, foi a comparação de culturas de regiões com rios. Ontem, em Orléans, o rio Loire aproximou-se do Douro, da ria da Aveiro e do Tejo. Algo insólito foi ver o Loire percorrido por barcos rabelos, por moliceiros e por canoas lisboetas, com sons do nosso folclore a encherem as ruas da cidade e a Radio Arc-en-Ciel / Rádio Arco-Íris a espalhar horas de boa música portuguesa.

Cada vez mais, as municipalidades francesas, conscientes da crescente importância da comunidade portuguesa e luso-descendente, têm iniciativas que mobilizam a sua ligação a regiões do nosso país, acordando lentamente para uma realidade que, infelizmente, ainda é por aqui muito desconhecida ou tocada de forma caricatural.

Ontem, no jantar português que o "maire" de Orléans nos ofereceu, pude constatar que a esmagadora maioria dos presentes nunca se tinham deslocado a Portugal, embora mantivessem alguma curiosidade por esse país quase vizinho, de onde lhes chega gente séria e trabalhadora, com que se cruzam nas ruas e no trabalho, mas do qual quase só conhecem o vinho do Porto e onde sabem que se canta uma coisa nostálgica que é o fado.

Portugal está tão perto mas ainda tão longe de França!

quarta-feira, junho 24, 2009

Mollat

Confesso a minha perdição por livrarias, para quem ainda não tivesse desconfiado. Ontem, de manhã, regressei por breves minutos à livraria Mollat, no centro de Bordéus, uma das mais bem organizadas e profissionais que conheço. Onde me falaram de Mário Soares por lá ter passado, por mais de uma vez.

Como habitualmente faço, fui ver a estante de literatura portuguesa, traduzida em francês. Alguma óbvia: Eça, Saramago, Lobo Antunes, Pessoa e Agustina. Mas também Cardoso Pires, Torga, Ferreira de Castro, Carlos de Oliveira, Graça Moura e José Luís Peixoto, para além de antologias. Nada mais, o que é escasso, embora bem melhor do que em muitas livrarias em Paris.

Má surpresa na zona da nossa literatura publicada em português. Muito pouca coisa e a fantástica revelação de que tiveram de importar os nossos livros via Brasil (!), dada a falta de resposta e a excessiva demora (além de imprecisão nas encomendas) dos seus fornecedores possíveis em Portugal. E foi-me dito que existe uma real procura, a que não conseguem dar resposta, por virtude dessas limitações. Apenas incrível! A ver vamos se é possível à Embaixada intervir.

terça-feira, junho 23, 2009

Bordéus

A primeira vez que passei por Bordéus foi há mais de quatro décadas, de mochila às costas, quando me deu na veneta atravessar a Europa "à boleia", da rotunda do Relógio (era então outro relógio, bem mais bonito) à Noruega. Recordo-me de uma cidade voltada "para dentro", ruas estreitas à moda mediterrânica, criando-me a imagem de uma certa França, de orgulhosa e burguesa província. Das restantes vezes que por lá passei, a imagem foi-se repetindo, até porque o progressivo declínio do porto não contribuiu, durante muito tempo, para uma renovação da economia e da paisagem da região e da cidade, não obstante terem tido como figura tutelar uma das mais interessantes e influentes personalidades da V República, Jacques Chaban-Delmas. Mas Bordéus parecia-me, de certa forma, ter parado no tempo.

O contraste entre a cidade de então e a Bordéus de hoje é imenso. E para isso muito contribuiu a recuperação da área junto ao rio Garonne, dando visibilidade a um conjunto magnífico de edifícios, então tapados pelo acesso ao feiíssimo porto. Uma obra, entre muitas outras, que a cidade fica a dever ao espírito reformador do actual "maire", e antigo Primeiro-ministro francês, Alain Juppé. Compete-nos encontrar maneira de estimular a geminação existente entre o Porto e Bordéus, que há anos anda "enguiçada". Ontem mesmo, Alain Juppé me garantiu o seu empenhamento pessoal em avançar bastante nesta área.

terça-feira, junho 02, 2009

Brasil

Há ocasiões em que se percebe melhor o êxito de um país como os Estados Unidos da América. São as mesmas ocasiões em que não se entende como esse mesmo país pode, por vezes, cometer erros históricos de uma dimensão inimaginável. A capacidade que os EUA têm de gerar informação de alta qualidade não condiz com o ocasional tropismo que Washington tem para a não utilizar devidamente na suas opções de política.

Um seminário sobre as relações entre os EUA, a Europa e o Brasil, em que me coube o papel de "keynote speaker" sobre a perspectiva europeia, lado a lado com um investigador alemão, numa mesa com 20 pessoas, foi também uma ocasião para ouvir excelentes análises feitas por personalidades de 8 países, entre os quais professores de Bolonha, Sciences-Po/Paris, Munique, S. Paulo, MIT, Columbia, etc., para além de figuras do Banco Mundial e de diversos "think tanks" americanos.

O Brasil está na moda e a Johns Hopkins University conseguiu congregar especialistas da área económica, do mundo académico e de centros de estudo de relações internacionais que nos proporcionaram visões profundas, despreconceituadas e - o que é reconfortante - genericamente bastante positivas sobre o futuro do Brasil.

quarta-feira, maio 27, 2009

Eleitos


Já está! Tal como ficou sugerido aquando da reunião que organizei com eleitos de origem portuguesa em Bordéus, há pouco mais de uma semana, foi criada pela Embaixada de Portugal em França a plataforma informática que permitirá aos eleitos de origem portuguesa em França corresponderem-se e interagirem entre si, apresentando os seus textos, ideias, iniciativas, propostas e tudo o resto que muito bem entenderem.

Com o endereço electrónico de www.france-portugal.blogspot.com, este espaço, para além de poder ser lido pela generalidade das pessoas que tenham acesso à internet, é de livre utilização por todos os cidadãos de origem portuguesa que tenham sido eleitos em órgãos locais, regionais ou nacionais em França. O objectivo é proporcionar um local de debate sobre assuntos de interesse comum, de apresentação de iniciativas e formulação de propostas.

Os eleitos de origem portuguesa que desejem ter acesso à plataforma informática necessitam apenas de dirigir um e-mail para o endereço fraporelus@gmail.com, após o que receberão de volta uma senha que lhes permitirá participar no espaço de discussão, nela podendo utilizar a língua portuguesa ou francesa indiferentemente.

E, contrariamente à asserção bíblica, segundo a qual "muitos são os eleitos, poucos são os escolhidos", todos os eleitos podem fazer parte deste novo mundo de diálogo...

O outro lado do vento

Na passada semana, publiquei na "Visão", a convite da revista, um artigo com o título em epígrafe.  Agora que já saiu um novo núme...