sábado, outubro 18, 2014

Boa Nova


O espaço está modificado, modernizado, "confortabilizado" - nomeadamente face a esta imagem já antiga. A "Casa de Chá da Boa Nova", a obra emblemática do início da carreira de Álvaro Siza Vieira, que esteve encerrada durante alguns anos, depois de ter sido um restaurante algo incaracterístico de Leça da Palmeira, ganhou agora uma nova vida sob a batuta do "chef" Rui Paula, estando hoje transformada na oferta gastronómica mais "fashionable" do Porto.

Conheço o Rui Paula há muitos anos, desde os tempos do "Cêpa Torta", em Alijó, onde se revelou como uma inventivo utilizador dos produtos tradicionais. Depois, visitei-o várias vezes no "DOC", na Folgosa, entre a Régua e o Pinhão, onde ganhou as suas esporas de grande senhor da cozinha. Escrevi um dia um texto sobre uma experiência peculiar que por lá tive. 

Mais tarde, assisti ao despertar do "DOP", no Porto, um belo espaço perto da Bolsa, onde, com sucesso, ele ousou arriscar a exigente cidade. No meu heterónimo "Augusto Maria de Saa", um cronista gastronómico despretencioso, escrevi na "Sábado", vai para quatro anos, duas páginas elogiosas sobre o bem que se comia (e come) no "DOP", notas não isentas de algumas reticências sobre outros aspetos (repito: para além da comida, sempre excelente) do então funcionamento da casa. Questões que, entretanto, vi corrigidas. Nunca falei com o Rui sobre isto, como é de regra.

Depois, o Rui Paula passou a dirigir o restaurante do "Palace Hotel de Vidago". Sólido, constante (que é o mínimo que se pede a um restaurante) e cuidado, o "estilo Rui Paula" demonstrou igualmente um salto qualitativo na preparação das equipas - questão essencial para quem, por virtude da dificuldade da ubiquidade, não pode atender a todos os espaços que se reclamam do seu nome, como sei que é o caso do seu "Rui Paula", no shopping "Riomar", no Recife, que ainda não visitei (até porque o "meu" restaurante pernambucano de eleição é o grande "Leite").

Famoso agora pela televisão, consagrado pelo público, trabalhador incansável a um limite que às vezes me parece exceder o aceitável, o Rui Paula é, no meu entender, um expoente dentre uns escassos "chefs" que se esforçam por trabalhar coisas portuguesas com requinte cosmopolita, de uma forma original e criativa. Trata-se de um trabalho complexo, exigente, que implica mobilização de equipas que (presumo eu!) não deve ser barato formar (e que demorará sempre tempo a adquirirem um ritmo natural, fugindo ao maneirismo de procurada sofisticação a que o lugar apela) e manter, com as consequências óbvias na dimensão da fatura final que o cliente pagará. 

Mas o resultado do trabalho do Rui Paula na "Casa de Chá" - que está lindíssima, na simplicidade elegante que o espaço sempre teve - é, na minha opinião, excelente. Só lhe desejo muita sorte. Que bem merece.

sexta-feira, outubro 17, 2014

Amarante

António Manuel Pinto da Silva
O autor da fotografia é um dos meus mais antigos amigos, que herdou a arte do seu pai, o prestigiado Marius, figura que se mantém, até hoje, como fautor das mais belas fotos existentes da cidade de Vila Real.
 
A localidade da imagem é Amarante, uma belíssima cidade à beira-Tâmega, que dispõe de uma unidade hoteleira de exceção, a "Casa da Calçada", dotada de um restaurante magnífico, o "Largo do Paço", com uma merecida estrela no Michelin. 

Na restauração local, longe vão os dias de glória do "Avião" ou da velha tasca do "Príncipe", ali ao Arquinho, ou os almoços regados a branco a acompanhar o cabrito na varanda do Zé da Calçada" (vê-se, longa, na foto), que pode já não ser o que foi em tempos idos. Agora há também, perto da autoestrada, a muito recomendável "Quinta do Outeiro" onde passo de quando em quando. Para doces, foi-se há muito o clássico "Alcino", há menos tempo a histórica "Lailai", mas a "Tinoca" mantém, com grande garbo, o "quinteto" maravilha: as lérias, os papos d'anjo, os São Gonçalos, os foguetes e as brisas do Tâmega.

De caminho, se puderem, junto à histórica ponte, visitem a igreja (e a sacristia!) e o mosteiro de S. Gonçalo, adjacente ao museu Amadeo de Souza Cardoso, que tem uma bela coleção de arte contemporânea portuguesa (entre a qual o também amarantino António Carneiro) e, até ao fim de novembro, uma exposição temporária de Mário Cesariny de Vasconcelos.

Por que diabo me deu hoje para esta nota? Sei lá! Porque Amarante é magnífica, é terra de Pascoaes e de Agustina (e, já agora!, de Marinho e Pinto...) e tenho encontrado quem por lá nunca tenha passado e não saiba o que perde.

Os bancos e os cafés


Há dias lembrei-me. Pelos anos 60 e 70, todos nos queixávamos de que os cafés de Lisboa e Porto iam fechando, um a um, dando origem a balcões bancários.
 
Agora que os bancos andam por aí a encerrar "paletes" de balcões, iremos ter os nossos cafés de volta?

quinta-feira, outubro 16, 2014

Do anonimato

Alguns comentários anónimos em blogues ou em sítios informáticos de jornais, quando deliberadamente ofensivos ou obscenos, devem merecer da nossa parte a consideração dada à cobardia de uma carta não assinada. Para mim, sem excepção, convocam a piedade que é devida aos pobres de espírito.

É claro que não me estou a referir a anódinos e civilizados comentários que, mesmo quando sem assinatura, dão graça e vida aos blogues e sítios informáticos, servem de estímulo, e até de saudável contraditório, a quem escreve. Esse é o anonimato benévolo, perfeitamente normal e sempre bem-vindo.

O que eu quero notar é a circunstância de, com grande frequência, depararmos, nas áreas dedicadas aos comentários, com uma imensa legião de corajosos escribas anónimos que, na solidão cómoda do seu teclado, se dedicam a insultar quem lhes desagrada, a denegrir aquilo que nunca teriam a coragem de dizer cara-a-cara ou a assinar com o nome verdadeiro e identificável por debaixo.

Há hoje por aí um mundo clandestino que destila fel e acrimónia, muitas vezes com laivos xenófobos e racistas, prenhe de adjetivação ácida e de óbvios recalcamentos. Todas as sociedades, ao que parece, tem destas "faunas rascas", o que talvez justificasse um estudo sócio-psicológico, com uma dimensão médica a ajudar. Embora já haja um óptimo medicamento para esta patologia: chama-se "Delete", é eficaz, tem um efeito imediato e pode usar-se as vezes que se quiser.

O mais curioso é que esses profissionais da cobardia têm mesmo a suprema lata de defenderem o "direito ao anonimato", lamentando-se, em outros espaços informáticos, das escassas vezes em que por aqui travei a publicação das suas diatribes - as quais, aliás, sempre publicarei, sem o menor corte e com o maior gosto, quando nos quiserem dar a subida honra de lhes conhecermos o nome. Mas a frontalidade é uma qualidade que é alheia essa fauna, a qual, por exemplo, foge do Facebook como o diabo da cruz, porque por ali tem mais dificuldade em esconder a sua cara cobarde.

quarta-feira, outubro 15, 2014

Duas ou três... gotas!

Um contido espirro de um amigo, na tarde de ontem, trouxe-me à memória uma história antiga "de espirros", que marcou algumas viagens diplomáticas em que participei, no final dos anos 80.

Era um colega mais velho, homem muito agradável, excelente companheiro, com um ar sempre sorridente. Tinha um "problema". Por uma qualquer razão, espirrava com grande frequência. Nada de grave, estarão a pensar... De facto, isso não teria a menor importância não fosse o facto de o seu espirro ser, como alguém dizia, imenso, fragoroso e "de leque", quase a 180º, com uma incontrolada projeção de perdigotos por quem tinha o azar de se situar no seu vasto horizonte de "ação". O ato nele era tão súbito que nunca tinha sequer tempo para procurar um lenço, pelo que a explosão liquefeita saía sempre em frente, com uma força de projeção muito assinalável. Um espetáculo para quem assistia, um horror para quem o sofria!

A experiência havia-nos mostrado que a mudança de temperaturas tinha como consequência originar uma maior frequência desse fenómeno. Por essa razão, sempre que ele nos acompanhava, em viagens aéreas ao estrangeiro, os mais experientes, alguns dos quais suas anteriores "vítimas", procurávamos garantir lugares bem longe dele, onde pudéssemos estar a salvo desse temível e quase inevitável "chuveiro". Fazíamos isso com real pena, porque ele era uma ótima companhia.

Um dia, numa viagem na Europa, havíamos tido o especial e discreto cuidado de garantir-lhe um lugar numa ala lateral do avião. A seu lado, ia benjamim da delegação, cuja falta de antiguidade justificava o risco a que o submetíamos... O resto dos nossos viajantes, que incluía um membro do governo (já não recordo se alertado ou não), sentava-se prudentemente na zona central do avião. A viagem começou. Minutos depois, o nosso colega levantou-se e, de pé, começou a conversar conosco, que continuávamos sentados. Deu-se então conta que toda a fila à frente da nossa estava vazia. Com naturalidade, veio colocar-se de joelhos, num assento à nossa frente, a muito curta distância.

Pressenti de imediato o "perigo". Como ia junto à coxia, levantei-me e coloquei-me ao seu lado. Os restantes colegas da delegação, menos avisados ou encurralados, permaneceram no seu "raio" potencial de "bombardeamento". O ar condicionado, alguma poeira ou outra qualquer razão levaram, minutos depois, ao inevitável "grande espirro". Que, como nele era habitual, não foi nada contido. Pelo contrário, foi "generoso", com um efeito visível no vestuário (e até na cara!) dos colegas. E não foram duas ou três gotas... Assistiu-se então a uma debandada geral, na busca da casa de banho. A reação foi tal que nem o membro do governo teve prioridade na busca da lavagem redentora. Só visto! 

Ainda tens esses terríveis espirros, Manel?

A encenação do poder


No dia 4 de novembro, pelas 19 horas, no Teatro Nacional D. Maria II, sob moderação de António José Teixeira, irei ter o privilégio de discutir com Eduardo Lourenço a questão da "encenação do poder", os mecanismos simbólicos de projeção do poder político. O título exato do exercício é "A encenação do poder / O poder da encenação" e insere-se nos chamados "Encontros Garrett - Descodificar o futuro", organizados por Margarida Gouveia Fernandes.  
 
O programa completo destes encontros pode ser consultado aqui.

terça-feira, outubro 14, 2014

Ana Maria Duarte Silva

Foi-se hoje a Ana Maria Duarte Silva. Uma longa doença anunciava há muito este dia. Longe de Lisboa, não podemos despedir-nos, como desejaríamos, de uma amiga de há quase quatro décadas. Conheci-a quando, juntamente com a Madalena Mendonça, secretariava o diretor-geral dos Negócios económicos. Eu tinha acabado de entrar para o Ministério, não conhecia por lá praticamente ninguém, e nunca esquecerei a simpatia acolhedora de ambas, nesses tempos iniciais que, por várias razões, não foram para mim totalmente fáceis. 

A Ana era uma amiga sempre alegre, divertida, tinha uma forte e sã gargalhada. Conhecia meio mundo, sabia tudo, era de uma ilimitada disponibilidade para os amigos. Quando estávamos no estrangeiro, era para nós uma espécie de "anjo da guarda". Gostava imenso de ser útil, de ajudar, desencantava soluções. Era uma companheira ideal para jantaradas e nunca esquecerei a surpresa muito agradável que me fez um dia, em Londres, batendo à nossa porta numa noite do meu aniversário. Em 1995, quando estava de saída da Presidência da República, onde trabalhara com Mário Soares, convidei-a para integrar o meu gabinete, no governo que começava. Cheguei tarde! António Sousa Franco, de quem era amiga pessoal, havia chegado mais cedo...

Adeus, Ana. Até sempre!

Facas na Liga

Não sei se têm seguido o que se passa na Liga de Futebol Profissional, uma misteriosa instituição que organiza a representação dos clubes e que, desde há meses, vê a eleição dos seus corpos gerentes envolvida numa imensa polémica. 

Há dias, numa rádio, ouvi um especialista em "justiça desportiva" debitar judiciosos comentários sobre o intrincado novelo jurídico que envolve as listas concorrentes ao próximo ato eleitoral. Quem o ouvisse desprevenido, expressando ideias sobre a "jurisprudência", recursos e impugnações, poderia ser levado a crer que estávamos perante coisas sérias e relevantes para o país. Mas não: o que atravessa esse submundo são negócios de dinheiros televisivos e jogos de gestão de poder sobre a relva. Os jornais e as televisões, ao darem espaço e antena a essa gente, transformam um tema reconhecidamente menor numa magna questão. 

Num país em que só o que nos divide parece ser notícia, não deixa de ser significativo as longas horas que a comunicação social dedica, não ao futebol (o que ajudaria a entreter saudavelmente o quotidiano) mas à "conversa" sobre isso. Um país que, com a dimensão do nosso, alimenta três jornais desportivos, em que há horas em que todos os canais televisivos só falam de futebol, qualifica-se bem a si próprio.

Anomia

A palavra não é muito usada, mas a expressão cunhada por Durkheim é a única que me ocorre para simbolizar o que hoje atravessa Portugal. Ausência de objetivos, diluição de identidade, descrença num sentido coletivo de vida são os sinais contemporâneos que nos revelam um país à deriva. Não se deduza daqui um derrotismo catastrofista, porque estamos sempre a tempo de mudar o rumo às coisas e, contrariamente ao que vulgarmente se pensa e diz, já atravessámos crises bem piores. Mas, para mudar, é necessário perceber como e por onde andamos e, em especial, evitar passos irreversíveis.
O que se tem passado nos últimos tempos na máquina do Estado, se bem que previsível, ultrapassou todos os limiares de razoabilidade e da incompetência aceitável. As crises no sistema educativo e na Justiça, somadas a afloramentos de ruturas em várias outras políticas públicas, mostram que a aposta no desmantelamento do Estado, que este governo levou a cabo com um zelo sem precedentes, está a “funcionar”: o estado do Estado é já o que se vê.
Para isto juntou-se uma agenda ideológica de liberalismo simplista, servida por um pessoal político em geral impreparado, um cocktail de “jotas” com homens de aparelho, acolitados por tecnocratas cínicos e por deslumbrados com MBA, com uma agenda geracional agressiva, que se sentaram à mesa da desorçamentação do Estado atulhados de preconceitos: o Estado é hoje gerido por quem o odeia e despreza. No início, obedeciam ao “script” dado pelo Memorando, que, com aparente alegria doutrinária, haviam herdado e que iam mesmo polindo com o zelo dos neófitos. A palavra de ordem era desregular, “desblindar”, acabar com as “golden shares” que perturbavam o livre fluir do mercado, privatizar tudo quanto fosse possível. Ah! e fazer tudo isso tão depressa quanto viável, antes que o país aturdido acordasse e os devolvesse à procedência.
Ao fim de uns meses pelos corredores do poder, percebeu-se logo que esse pessoal se achava possuído de uma “filosofia”: uma espécie de otimismo visionário e profético, uns novos “amanhãs que cantam” que pediam meças à credulidade determinista do “socialismo real”. Alguns parece que chegaram a acreditar piamente na bondade dessas soluções e, como também ocorreu do outro lado do espelho ideológico, encaravam as vítimas da conjuntura – os velhos, os reformados, os doentes, os excluídos, os desempregados – como uma espécie de inevitáveis “colateral casualties”. Sem remorsos, porque o “homem novo” estaria ao virar da esquina a salvar-lhes as consciências. E o seu futuro, claro.
Depois, foi, não o que se viu, mas o que está a ver-se. A dívida disparou, o desemprego também (na melhor das hipóteses fixá-lo-ão ao nível que o governo Sócrates o deixou), fazem uma coreografia anual para colocar o défice tão próximo dos objetivos quanto as malabarices financeiras o permitem, o Estado está no estado em que está e quem vier a seguir que feche a porta. Agora, atrapalharam-se no BES, deixaram a PT ir ao fundo sem um ai tempestivo, estão ainda a pensar se têm tempo para dar cabo da TAP.
E o país? O país, pelo que mostra, permanece em anomia, se acaso disso ainda restasse a menor dúvida. E se acordar?

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, outubro 13, 2014

Simbolismos

Portugal vai doar 25 mil euros para a reconstrução de Gaza. Só a presença de Portugal na Conferência de Doadores, onde este anúncio foi feito, quanto terá custado? 

Em lugar desta ridícula contribuição, os palestinos teriam apreciado muito mais se o governo português tivesse elevado a sua voz no auge dos bárbaros atos de devastação que Israel provocou naquele território.

Portugal pode não ter dinheiro, mas deve mostrar que tem princípios.

"Mind your business!"

Um dia, noutro espaço, denunciei com frontalidade uma aberta ingerência de uma amiga minha, deputada europeia portuguesa, que se arrogava a ter um "droit de regard" sobre umas eleições em Timor-Leste, tomando partido por um dos candidatos. Agora observo outro grupo de portugueses a "mandar bitaites" e a proceder de forma idêmtica sobre o curso eleitoral em S. Tomé e Príncipe. Arriscam-se a que alguém diga que as saudades do império parece continuarem...

Com os diabos! Essas pessoas não perceberão que as nossas antigas colónias são hoje Estados independentes, que já há muito abandonaram a tutela lusitana, que passam bem sem a opinião do antigo colono sobre a sua vida política e que a sua despropositada intervenção pode legitimamente ser interpretada como uma tentativa de tutela de matiz neocolonial? Não entenderão que, ao procederem dessa forma, estão a afetar a dignidade das instituições próprias desses países, que têm o pleno direito de se sentirem ofendidas por essa atitude e a legitimidade de reagirem em consonância? S. Tomé não é um Estado pária, sob o olhar negativo da comunidade internacional, como foi o caso da Guiné-Bissau depois da quartelada de há poucos anos. Não entenderão esses políticos, de vários quadrantes partidários, que é detrimental para a imagem futura de Portugal naquele país que possamos vir a ser acusados de aproveitar a sua eventual fragilidade para nos acharmos no direito de nos imiscuir na sua vida política interna? Porque não tentam isso com Angola ou Moçambique? "É o tentas!"

Apetece dizer a esses políticos portugueses, entre os quais conto alguns amigos, a expressão clássica: "mind your business"!

E o Guião?


A política portuguesa é um grande palco. E, às vezes, exibem-se por lá umas grandes "peças".

A memória pública é curta e, de certo modo, já olha para as iniciativas políticas com uma desconfiança que é proporcional ao juízo que faz sobre a sua previsível não implementação. Hoje anuncia-se uma coisa, ela passa nos telejornais, enche umas páginas da imprensa, suscita posições partidárias (do CDS aos Verdes, porque somos sempre muito democratas e ouvimos todas as vozes, das mais histriónicas às mais histéricas), justifica-as em alguns artigos. Passam algumas semanas, já ninguém se lembra (nem se lembra de perguntar "que é feito?"), tudo morre no esquecimento, esmagado por outros eventos, por outros anúncios, a maior parte dos quais com um destino idêntico.

Recordo-me de um responsável pela assessoria mediática de um primeiro ministro que se obcecava em ter, todos os dias, um "número" preparado, em qualquer área do governo. E o país lá se ia entretendo em ter, com essa regularidade, um "número" preparado.

Há um ano e tal, depois de uma ansiedade forjada que roçou várias vezes o ridículo, o governo apresentou, embora com pompa algo discreta e com algum esgar sectorial maldoso, o "Guião para a reforma do Estado". Como habitualmente, a montanha tinha parido um rato e o executivo deixara-se cair na ratoeira. O texto, aumentado na apresentação gráfica para dar um ar de volume prestigiante, era um chorrilho de banalidades, de lugares comuns e obviedades, uma "rede" onde cabia tudo o que mexesse ou fosse suscetível de mexer na administração pública. Pelo meio, anunciavam-se mesmo algumas medidas. Que é delas?

Como justificação para não se avançar, o maioria balbucia, lamentada, que "não há consenso". Ah! não?! Mas é apenas minha impressão ou o governo dispõe. na Assembleia da República, de uma sólida maioria? Se essa maioria, sem a menor busca de consenso, tem sido capaz de fazer aprovar, sob o clamor indignado do país, um conjunto celerado de medidas, porque não utiliza esse mesmo poder para aprovar aquilo que está no "Guião para a reforma do Estado"?

Desde 2011, temos vivido em Portugal uma tragicomédia. Com maus atores. E temos pago caro para assistir. Começa a ser tempo de mudar o repertório. E, de caminho, o elenco. Ao contrário do título daquele filme com o Jack Nicholson, pior é impossível.

domingo, outubro 12, 2014

Mudar as regras

O artigo já tem quase uma semana, mas só o li ontem, na habitual alta pilha de jornais (que podem "criar bicho", segundo me assustam cá por casa) que tenho em lento curso de desbaste.

O autor é Wolfgang Munchau, que no ano passado esteve presente num interessante debate da Fundação Francisco Manuel dos Santos em que participei. O texto saiu, como é habitual, no "Financial Times" e foi reproduzido no "Diário Económico", onde recomendo a sua leitura. Não toma muito tempo e vale a pena, podem crer.

sábado, outubro 11, 2014

Dr. Pires de Lima, I presume?


Há azares formais que se tornam ridículos. No "Expresso" de hoje, o ministro Pires de Lima e o ministro do Comércio e Investimento britânico, Lord Livingston, assinam um artigo conjunto. Num gesto de verdadeira saloiice, o artigo é assinado "Lord Livingston e Dr. Pires de Lima".

Imagina-se a cena entre os assessores da Horta Seca e o jornal: "Então põe-se o Lord ao inglês e não se coloca um título ao nosso ministro? Era o que faltava!". Não quero, contudo, acreditar que o ministro, se consultado, não tivesse preferido o simples "António Pires de Lima".

Terá Pires de Lima, ao conhecer o seu colega britânico, tido o rasgo de lhe perguntar, como Stanley fez no célebre encontro como David Livingstone, em 1891, junto ao largo Tanganica: "Dr. Livingston, I presume?". Terá ficado daí o "doutor"?

Porque hoje é sábado

Dia da criação

Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

II

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito de porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.
Há um tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.

(Vinicius de Moraes)

sexta-feira, outubro 10, 2014

A imagem


Lá diz o ditado estafado: uma boa imagem vale mais do que mil palavras. O modo como o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble olha para Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, cuja política tem vindo a ser objeto de crescentes críticas de Berlim, quase não necessitaria de legenda. 

Eleições

 
Como Ferro Rodrigues há pouco bem lembrou, seria de toda a conveniência que as eleições legislativas pudessem ocorrer em junho de 2015 (em lugar de outubro), por forma a distanciar esse tempo da elaboração do orçamento para 2016 e, conjunturalmente, das eleições presidenciais de janeiro. Ter eleições "em cima" do orçamento é uma coincidência reconhecidamente infeliz e que convida, no caso provável de alternância, à execução de um orçamento retificativo, imediatamente a seguir, com custos para o país e para as expetativas dos agentes económicos. Se acaso a instituição Presidente da República cuidasse em algo mais do que desenhar, sem mais ondas, a previsível nota histórica que o país guardará dos últimos dois mandatos, teria o dever em ser ela a promover esta iniciativa. Mas, em tudo o que dependa dali, pode o país "esperar sentado"...
 
Partamos, contudo, do princípio de que, em 2015, não é possível, por via da vontade dos partidos, fazer essa antecipação de data, como se detetou hoje pela posição do primeiro-ministro. Assim, estando a questão "fechada" para o próximo ano, não parece impossível resolvê-la para o futuro. Então o que é que impede que, desde já, se avance num projeto de reforma constitucional, no sentido de mudança do tempo eleitoral para eleições futuras? E, de caminho, por que não acordar, também só com efeitos daqui a alguns anos, que se encurte o disparatado calendário eleitoral para a Assembleia da República, que todos parece concordarem ser exageradamente dilatado no tempo? Não entendo o que bloqueia isto, confesso.

Praxes

Há dois dias, entrei no pátio da universidade onde passarei a dar aulas na área das Relações Internacionais e deparei com um agitado ambiente de praxes académicas. Não gostei, confesso.

Detesto praxes e sinto uma profunda rejeição por estes ritualismos. Admito que, no caso da Universidade de Coimbra, uma história muito antiga e uma cultura académica particular ainda possa justificar a manutenção de alguns desses hábitos, se bem que adaptados às realidades de hoje e sempre numa base assumidamente voluntária e não constrangente. Mas não consigo entender como é que em universidades com algumas escassas dezenas de anos, sem suporte de uma vivência académica usufrutuária de um longo passado, se inventam (e procuram justificar) "tradições" e se estabelecem impunemente práticas de humilhação dos mais novos, com o alibi de serem modelos de "enquadramento" e iniciação na vida das escolas. 

Estudei, dos anos 60 para os 70 do século passado, em universidades públicas no Porto e em Lisboa. Nunca por lá vi praxes e, nem por isso, deixei de ter uma feliz integração académica, criei novos amigos e agradáveis conhecimentos, desde a primeira hora. Essa falsa justificação para a imposição das praxes deveria ser denunciada e combatida, mas não vejo vontade suficiente para isso, desde logo por parte das associações académicas (e aqui, sim!, assumo: tenho saudades do espírito das associações académicas do meu tempo!). Por seu lado, muitos professores parece viverem num ambiente acomodado: privadamente confessam que não gostam das praxes mas acabam por considerá-las inevitáveis, para não "comprarem uma guerra" com os alunos, limitando-se, por tibieza, a condenar as mais abusivas.

Esta minha atitude negativa estende-se também ao uso, fora de Coimbra, da capa-e-batina, atulhada de emblemas, bem como para as bizarrias de algumas tunas, quase sempre servidas por escolhas musicais que relevam apenas dos usos espanhóis, em especial galegos, com coreografias femininas feitas de ridículos e inestéticos saltos ginasticados e piruetas pelo chão, cuja graça e elegância nunca me foi dado entender. Se a isto somarmos as bebedeiras "de caixão à cova" nas "festas académicas" e o recrutamento de cantores da escola pimbo-pornográfica para os seus espetáculos musicais fica feito um retrato nada lisonjeiro dessa triste parte da atual geração académica. 

Muitas destas palhaçadas, porque é disso que se trata, tiveram os seus extremos em casos como o do Meco - mas os registos de incidentes graves e até fatais são bem frequentes - sem que, até hoje, quiçá sob pressão dessas "escolas" que são as "jotas", tivesse havido coragem legislativa para pôr cobro a estas derivas.

Mas as universidades têm a principal culpa na tolerância destas práticas, quando lhe seria fácil, pura e simplesmente, determinar a proibição das praxes nas suas instalações e atuar e exercer competência disciplinar sobre os seus instigadores, em práticas fora do seu perímetro. Tenho a certeza que a suspensão de meia dúzia de "praxistas" seria um princípio do fim deste medievalismo. Será por cobardia que não atuam? 

Acho que o momento em que inicio atividade docente numa universidade é o momento certo para fazer esta declaração de interesses. Para que não haja quaisquer equívocos.

quinta-feira, outubro 09, 2014

Fernando de Sousa (1949 - 2014)

Estou muito chocado pela notícia que acabo de ter: a morte inesperada, em Milão, de Fernando de Sousa. O Fernando era um amigo e um excelente profissional, que me habituei a respeitar e admirar ao longo das décadas em que com ele convivi. Equilibrado, íntegro e conhecedor dos assuntos, era uma referência na comunicação social portuguesa, não apenas na televisão, em que os portugueses se habituaram a vê-lo.

Creio ter-me cruzado com ele, pela primeira vez, em Londres. Depois encontrámo-nos muito por Bruxelas e por todas as capitais onde a aventura europeia nos levou a ambos, durante vários anos. De um rigor jornalístico extremo, não deixava de colocar as questões pertinentes, sempre sem o menor compromisso com os interesses imediatos do poder, mas também sempre com uma grande lealdade face aos interesses essenciais de Portugal, o que, não sendo incompatível, não é necessariamente a mesma coisa.

Convidei-o um dia a ser Conselheiro de Imprensa na Representação permanente de Portugal junto da União Europeia. Não quis aceitar, no que tive imensa pena. Falávamos disso, a última vez, creio, em Paris. Nunca esquecerei uma visita que em 2002 me fez em Viena, com o António Esteves Martins, para me dar um abraço de solidariedade, numa certa ocasião.

Criei e mantenho vários e bons amigos na classe profissional dos jornalistas. Fernando de Sousa era um dos melhores. Entristece-me muito a sua morte.

Portugal na Noruega

Leio que o Português passa, a partir de agora, a estar presente no ensino de duas escolas secundárias norueguesas, fruto da dedicada ação da minha colega embaixadora Clara Nunes dos Santos. Os embaixadores, quando querem, podem fazer a diferença.

Quando, em 1979, cheguei à Noruega, meu primeiro posto diplomático, a aprendizagem da língua portuguesa fazia-se na Universidade de Oslo, num minúsculo departamento dependente da secção espanhola, como frequentemente acontece. Era seu responsável o professor Kåre Nilsson que, nesse mesmo ano, lançou o primeiro dicionário de Norueguês-Português. A embaixada prestava o apoio possível (que era muito pouco) a esse núcleo lusófilo, que tinha quatro ou cinco alunos. O grande discípulo de Nilsson, também docente de Português, era o tradutor da nossa embaixada, o professor Johan Jarnaes, um bom amigo que hoje vive a sua merecida reforma em Kongsberg, dedicado à recolha de cogumelos.

Um dia, num intercâmbio universitário com que a embaixada nada tivera a ver, um consagrado professor da Universidade de Coimbra foi a Oslo proferir uma conferência, a convite do departamento de Português. Quando, na véspera, num jantar que lhe foi oferecido na residência, constatámos que a palestra era sobre uma temática muito especiosa, ligada à utilização dos pronomes reflexos num certo tipo de frases, e que seria proferida exclusivamente em português, assaltou-nos uma preocupação: quem iria estar presente na conferência? Quem, entre os noruegueses, conseguiria segui-la?

A nossa preocupação tinha fundamento. No início da sessão, lembro-me bem!, estavam presentes, para além da embaixada "em peso" - isto é, quatro pessoas... - e de uma funcionária do então Fundo de Fomento de Exportação (a quem eu havia pedido que viesse), um representante da secção espanhola (meu amigo pessoal, também "arrancado a ferros") e oito noruegueses, entre os quais Nilsson e Jarnaes.

A palestra lá foi andando, por um pouco mais de meia hora, em estilo académico cerrado, debitando teses complexas. O tom era monocórdico, o assunto era mais do que críptico, mesmo para nós, portugueses, que estoica e patrioticamente íamos resistindo à chatice. O embaixador e eu sentávamo-nos na primeira fila, fingindo estar atentos, "desertos" por que aquilo terminasse. Íamos sentindo, atrás de nós, a sala a esvaziar-se, à medida que o tempo passava. No final, para além dos funcionários da embaixada, notei que restava, num canto, uma figura de olhar fixo, que eu estranhara desde o primeiro momento. Era um homem de quarenta e tal anos, com ar norueguês. Quem seria esse admirável cultor nórdico da língua portuguesa, que fora capaz de seguir atentamente aquela difícil palestra?

No dia seguinte, na embaixada, comentávamos o evento. Perguntei então ao Jarnaes quem era aquela figura estranha - mas simpática! - que havia resistido até ao fim da conferência e que ajudara, na medida do possível, a atenuar a escassez de público. O nosso dedicado Johan Jarnaes (de que deixo uma fotografia que descobri na internet) explicou-me então, algo embaraçado: era um seu amigo, cego, que ajudava na secção espanhola e que ele próprio encaminhara de volta à sua sala, no fim da conferência. Tinha-lhe pedido para vir, para "compor" o nosso público... Estava explicada a "persistência" do homem.

A frase

Há precisamente dois meses, comentando a solução encontrada para o BES, escrevi aqui:

Numa coisa, porém, Carlos Costa pode ter cometido um grave erro: ao ter afirmado que "a medida de resolução, agora decidida pelo Banco de Portugal, e em contraste com outras soluções que foram adotadas no passado, não terá qualquer custo para o erário público e nem para os contribuintes". Esqueceu-se porventura de acrescentar: "se tudo correr bem"...

É hoje evidente que isso pode, ou não, ser verdade. Para a vida, essa frase vai ficar-lhe colada à pele. Se tiver razão, a sua presciência será creditada, com louvor, no seu excelente currículo de grande servidor público. Se acaso se tiver enganado, esse erro não lhe será perdoado pela História. E pelos contribuintes

Hoje, naquilo que os comentadores já consideram ser o início da admissão de que a venda do Novo Banco, a um preço interessante, será muito difícil, a ministra das Finanças e o próprio primeiro-ministro começaram a alertar para o facto de que o Estado - isto é, todos nós - poderá ter de vir a incorrer em prejuízos financeiros, caso o encaixe de capital seja inferior aos montantes já canalizados para o banco.

Porque será que não há um mínimo de prudência por parte dos atores institucionais antes de fazerem declarações? É assim que se dá alimento à ideia de que os agentes políticos dizem uma coisa num dia e outra qualquer no dia seguinte.

quarta-feira, outubro 08, 2014

A luva branca

 
Durante semanas, fui deixando cair por aqui algumas "farpas" pelo facto da "Opinião" do jornal informático "Observador" nunca apresentar textos escritos por pessoas de esquerda. Há dias, David Dinis, diretor da publicação, convidou-me para escrever um artigo para o "Observador" sobre as eleições brasileiras. Que surgiu na respetiva "Opinião". Um belo gesto. De luva branca ou, como diriam os franceses, "chapeau!"

Carros

- Tu já reparaste que o "pessoal" com carros grandes se comporta de forma quase intimidante, no trânsito da cidade, perante os carros mais pequenos? Avançam e "seja o que Deus quiser"...
- De facto, é verdade. Mas, cá para mim "vêm de carrinho"...
- Porquê?
- Porque eu, quando conduzo o meu Smart pelas ruas, guio como se tivesse um Ferrari. Comporto-me exatamente como eles. Claro que posso um dia levar uma "penada" forte e sair "pela paisagem", mas os da "estrelinha" ou os BM's de alta cilindrada, se me baterem, não deixam de ficar com a chapa amolgada. E, conhecendo-lhes o "ar estiloso", não devem gostar muito. E eu só mudo o plástico....

Baptista Bastos

Acabo de constatar que Baptista Bastos, uma das vozes mais livres do Portugal contemporâneo e uma das escritas mais cultas de um jornalismo que está a desaparecer, deixa de ser colunista regular do "Diário de Notícias". Tenho imensa pena. As crónicas de BB eram uma lufada de ar incómodo na face daqueles a quem ele não poupava na sua indignação, nestes anos cujo cinzentismo é menos de chumbo e mais de cinzas.

Quem destruiu a PT?

Este é um país em que a culpa morre geralmente solteira e triste, mas a nossa imprensa investigativa, que às vezes tanto se assanha (e faz bem!) pelos estranhos circuitos de alguns milhares de euros, deveria aprofundar sobre quem é verdadeiramente responsável pela destruição de uma empresa, que já foi prestigiada e forte, como a PT. Pela porta pequena, saiu há semanas Henrique Granadeiro. Hoje, sai o "golden boy" Zeinal Bava, "corrido" pela brasileira OI e pela desconfiança dos mercados.
 
Que raio de "corporate governance" era seguida na empresa, que permitiu que a conseguissem desvalorizar desta forma? Das trapalhadas da sua ligação ao Brasil às cumplicidades com o universo BES, é muito triste ver uma das marcas mais fortes de Portugal no exterior ser hoje arrastada pelas ruas da amargura e da desqualificação.
 
E que tristeza é constatar que o que nos resta de Estado - depois da operação cirúrgica da sua descapitalização económica, funcional e humana, ideologicamente levada a cabo, com método, no último triénio - não é sequer capaz de entender que o futuro de um ativo estratégico como é a nossa maior empresa de comunicações não deveria estar hoje à mercê de um negócio que já nem passa por Lisboa. Não há vergonha? Não há.

terça-feira, outubro 07, 2014

Os negócios

Era uma certa Lisboa, bem retratada nos sarcásticos livros do Vilhena, cuja divulgação as autoridades dificultavam. Sempre existiu, mas teve algum fulgor pelos anos 60 e início dos 70. Cavalheiros "da indústria" e "capitalistas" - o termo "empresários" era então utilizado apenas para designar os profissionais dos espetáculos, como Vasco Morgado, José Miguel ou Ricardo Covões - aportavam, à hora de almoço, por alguns restaurantes que, horas mais tarde, se transmutavam.
 
Lembro-me de três: o "Lorde", o "Comodoro" e o "Belcanto". Este último, foi o único que resistiu, agora num registo completamente diferente.
 
Ao almoço, eram os negócios, a conversa política. Aproximando-se a hora de jantar, começavam a pousar por ali algumas "pequenas", o ambiente aligeirava e o "negócio" era outro. Os cavalheiros, por vezes, eram os mesmos. 
 
Passei há pouco pelo que resta do "Lorde". Quem recordará da sua glória perdida?

Quentes e boas!

Já aí andam, pelas ruas de Lisboa, quentes e boas! Assinalam o Outono, prenunciam o Inverno e fazem-nos ter vontade de uma ginginha (com elas, claro!) ou de um eduardino (não sabe o que é? Vá à rua das Portas de Santo Antão, 7, em Lisboa).

Diplomacia económica

No dia 23 de outubro, vou participar nas V Jornadas Empresariais, organizadas no Porto pela Fundação AEP e pela Fundação de Serralves.
 
Integrarei, com o administrador da AICEP, Dr. Vital Morgado, o painel dedicado à "Organização do Comércio Externo", no qual abordarei a questão da Diplomacia económica.

segunda-feira, outubro 06, 2014

Os dois Brasis

Os "dois Brasis" vão estar, uma vez mais, frente a frente. Dilma Roussef e Aécio Neves defrontar-se-ão na segunda volta das eleições brasileiras, no dia 26 de outubro.

O "fenómeno" Marina Silva esvaiu-se com a rapidez com que tinha emergido. Constatou-se que havia sido fruto de uma reação emocional, logo seguido pela evidência da fragilidade política da candidata, que igualmente não dispunha de uma máquina política à altura.

Vão ser três semanas muito intensas. De um lado, estará o "establishment" de um PT fortemente ancorado nas camadas mais pobres, em alguma intelectualidade urbana e em certos setores que lucraram com estes quase 12 anos de "petismo", que se vai tentar agarrar ao poder a todo o custo. Do outro, estará um candidato que quererá federar o descontentamento anti-PT, que foi visível nas grandes manifestações populares de há já alguns meses, mas que acarreta consigo o estigma de poder ser visto como o representante do "Brasil rico". Daí que não se saiba se Aécio Neves será a melhor "imagem" para representar o "Brasil das ruas".

Como se dividirão os cerca de 20% de votos em Marina Silva? Menos importante do que a indicação de voto que a candidata eventualmente vier a fazer, vai ser olhar para a eficácia da estratégia de "sedução" desse eleitorado, que cada um dos agora "finalistas" vier a colocar no terreno. Dilma vai tentar, com a preciosa ajuda de Lula, "passar por cima" de Marina Silva e descobrir um discurso para o heterogéneo eleitorado que a apoiou na primeira volta, acenando com o fantasma das privatizações (a "privataria tucana", na linguagem PT) e o possível ataque às políticas sociais que uma vitória conservadora poderia acarretar. Aécio, com toda a certeza, vai jogar no "todos contra o PT", colando Dilma aos escândalos de corrupção e denunciando o peso do "Estado PT" e os riscos de uma desregulação económica, tentando sublinhar as carências nas principais políticas públicas - saúde, infraestruturas, ensino, etc. No fundo, vamos assistir a uma espécie de novo duelo virtual entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, por interpostas pessoas.

Posso estar enganado, mas julgo que se vai entrar num período nada "limpo" da vida política interna brasileira, recheado de boatos, de campanhas mediáticas, de "medos" induzidos, etc. Logo veremos.

Uma nota final: esta eleição está, afinal, muito mais "aberta" do que eu esperava.

(Uma nota portuguesa: porque será que ninguém por cá reflete na fantástica vantagem do voto eletrónico, desde há vários anos usado no Brasil, que já se provou que está blindado contra fraudes e dá resultados quase imediatos? Quem tem medo do sistema? Por que diabo ninguém fala nisto?)

domingo, outubro 05, 2014

Um leão a sério

Encontrei-o há minutos numa sala da SIC, onde ambos esperávamos para entrar "em cena" - eu ia falar da política brasileira, ele de futebol. Nunca me tinha cruzado com ele, mas aproveitei o ensejo para lhe manifestar a minha solidariedade face ao ataque soez de que, há dias, foi alvo por parte do presidente do clube de que ambos somos fiéis adeptos e do qual ele foi um jogador admirável e ao qual deu muitos anos da sua vida e entusiasmo.

Ao lado de Manuel Fernandes, o atual presidente do Sporting Clube de Portugal - qualquer que venha a ser o sucesso da sua ação - não passa por ora de um leão de peluche, sem ofensa para estes. E, ainda por cima, mal educado.

A abstenção e a "falta de confiança"

Cavaco Silva, hoje: "A insatisfação dos cidadãos e a sua falta de confiança nas instituições – sobretudo nos partidos – têm tido reflexo em sucessivos atos eleitorais, marcados por níveis preocupantes de abstenção."
 
Abstenção nas últimas eleições legislativas: 41,93%
 
Abstenção nas últimas eleições presidenciais: 53,48%
 
Se a "insatisfação" e "falta de confiança" se mede pela abstenção, será "sobretudo nos partidos"?

O Brasil não é para principiantes




A expressão em título é de António Carlos Jobim que, além de génio musical, era um sábio das coisas da vida. O Brasil é uma realidade altamente complexa, não apenas pelo intrincado do seu tecido social e político mas, essencialmente, pela sua natureza mutante, que, de um dia para o outro, constrói inesperadas vagas de realidades que põem em causa o que, ainda na véspera, era um sólido adquirido. Foi sempre assim e essa é a graça desse grande e inigualável país.

Recorde-se a sociedade brasileira nos meses que antecederam a “Copa” de futebol, a agitação simultânea nas ruas de muitas cidades de um país continente, o quase descontrolo então demonstrado pelos agentes políticos, em face de um movimento que as redes sociais pareciam ter tornado imparável. Alguns acreditavam que já nem a “Copa” poderia amainar esta tempestade, que era o claro produto de uma frustração gerada pela esperança de um salto de qualidade dos instrumentos públicos de apoio à vida coletiva que, afinal, não estava, nem está, ao voltar da esquina. Segurança, saúde, educação, transportes, justiça e outras políticas públicas, se bem que com sensíveis melhorias, medidas à luz do tempo, continuavam bem distantes do tal “primeiro mundo” pelo qual os brasileiros teimam, e bem, em medir o seu percurso histórico.

E, no entanto, ao primeiro apito do árbitro da “Copa”, a rua serenou. Nem a deceção que foi o desastre do “escrete” brasileiro pelos campos desencadeou a onda de revolta que, de acordo com certos oráculos, varreria o poder e talvez trouxesse mesmo a anarquia, à falta de uma alternativa estruturada, capaz de responder politicamente aos diversos e contraditórios tipos de “enragés”.  

Olhe-se agora para o minuto antes da queda do avião que transportava Eduardo Campos: Dilma Rousseff tremia nas sondagens face a um Aécio Neves que prometia a grande desforra histórica de Fernando Henrique Cardoso, numa segunda volta de “todos contra o PT”. Campos vegetava pelo fundo das folhas de cálculo político. Em seguida, o avião caiu. A clara jogada oportunista que fora a inclusão Marina Silva numa “chapa” que era, por essa mesma razão, a mais incoerente das três candidaturas, transformou-se, de um dia para o outro, numa alavanca automática de promoção à antiga ministra do Ambiente de Lula, à fundamentalista “verde” que, afinal, já era capaz de pactuar com o agro-negócio. A emoção havia feito disparar a imagem de alguém que o Brasil parecia ter descoberto naquele instante, quando, afinal, a já conhecia de há muito. Entretanto, Aécio “despencou” nas pesquisas de opinião. “O avião de Campos caiu na cabeça de Aécio”, dizia-me um amigo brasileiro, com o cruel humor local.

A onda traz e o vento leva, reza uma bela história pernambucana. Pressionada com êxito pela implacável máquina do PT, gerindo com solidão as suas recorrentes contradições, Marina Silva foi-se esfumando no apoio popular. Lula, o mais genial “leitor” da realidade brasileira, surge mais abertamente a dar a esperada ajuda à festa de Dilma Rousseff. E a estrela da recandidata volta a subir, com Aécio Neves a não ter ainda exatamente a mesma sorte.

Há cinco anos, confirmando a lenda de que era capaz de “eleger um poste”, Lula conseguiu transformar uma fria tecnocrata esquerdista, que até algum PT olhava de lado, na presidente (ou “presidenta”) que muitos achavam difícil de ser “vendida” a um país que ainda estava órfão da sua afetividade. Claro que, para tal, teve a inestimável ajuda de José Serra, o suporífero candidato que a direita inábil selecionara. Roussef era uma continuidade de Lula confortável para os negócios, que, embora com algum crescente desgaste, conseguira federar o “cocktail” de forças partidárias que integram o seu mastodôntico governo e que, à época, parecia capaz de pilotar um Brasil que se agigantava no seio do G20, nesse tempo de glória dos emergentes face a um mundo em crise sem fim à vista. 

Esse mundo entretanto mudou, os emergentes perderam algum “glamour”, os capitais voltaram a favorecer sociedades mais previsíveis. O Brasil declinou na esperança e, com alguma ironia, muitos brasileiros começaram a pôr em causa precisamente quem os impulsionara pelos degraus sociais e, dessa forma, lhes induzira maiores ambições. Não tivesse o antigo presidente passado por provações de saúde, estou certo que Dilma Rousseff não teria sobrevivido a esse período e hoje seria ele a liderar, com grande distância, as sondagens. Rousseff provou ser hábil, não colocou em causa os mecanismos de repartição patrimonialista que fazem parte do ADN do sistema político brasileiro, mas definiu “red lines” em termos de corrupção que lhe deram a possibilidade de ser vista como saneadora de alguns costumes mais sórdidos. O sistema brasileiro, como atrás referi, é muito complexo e, sem algum sentido de compromisso com os seus hábitos, nenhum político tem possibilidades de sobreviver. E isto, verdadeiramente, nunca poderá ser explicado abertamente aos brasileiros, se bem que todos o pressintam. Como o caso do “mensalão” provou à evidência, só os exageros começam a ser eticamente punidos.

Domingo veremos a que distância Dilma Rousseff deixa os seus adversários, no termo do primeiro turno das eleições presidenciais. Tudo parece indicar que, a menos que um novo cataclismo atinja a política brasileira, ela conseguirá renovar o seu mandato. O mundo empresarial, a quem Aécio Neves agradaria naturalmente mais, ficará descansado com uma vitória da candidata do PT, a qual, para governar, terá de “costurar alianças” com o largo espetro dos partidos da futura “base de apoio governista”, onde todos “os interesses que interessam” ficarão sempre salvaguardados. A única questão que, ao que se sabe, atormenta o grande empresariado é a de saber se, face a uma potencial continuação do declínio do crescimento no Brasil, com impactos sociais a que seja imperativo dar resposta, um segundo governo Dilma Rousseff não poderá ser tentado a uma fuga em frente, em matéria de utilização da poderosa máquina financeira do Estado, que faça renascer o espetro maior da memória político-económica brasileira: a inflação.

* Texto que, a amável convite de David Dinis, publiquei há dias no "Observador"
 

Viva a República!


sábado, outubro 04, 2014

Alternativas

Foi um debate muito interessante aquele em que, na tarde de hoje, se processou no âmbito do Congresso Democrático das Alternativas". O tema do painel em que fui convidado a participar era "A Dívida, a União europeia e a soberania".

Com grande liberdade e abertura, discutimos a situação portuguesa, o que fazer quanto à dívida e ao Tratado orçamental e, em termos gerais, as bases para uma futura governação pelo lado esquerdo da estrada.

Num painel "avançado" (João Ferreira do Amaral, Octávio Teixeira e Marisa Matias, para além do próprio moderador, José Castro Caldas), fiz, como era natural, figura de "recuado" (sem o significado da palavra dado pelas FP25, claro!). Não penso da irreconvertibilidade da UE o que alguns dos meus parceiros pensam, recuso o cenário de abandono voluntário do euro que eles aceitam como solução e tenho sobre a renegociação da dívida uma posição um pouco mais prudente que a deles. Sublinho, talvez em demasia face a esses colegas de painel e de muitas das pessoas presentes, a necessidade de se seguir uma linha "possibilista", de exploração de todas as ambiguidades e oportunidades que uma leitura "hábil" (Octávio Teixeira chamou-lhe "inteligente", não acreditando nela) dos tratados, sem cair em soluções que possam ter um impacto negativo na captação do investimento produtivo estrangeiro, única - repito, única - fonte de recursos que podem vir a impulsionar o nosso crescimento, sem o qual nenhum futuro de estabilidade e bem-estar é plausível. De acordo estivemos em que nenhuma plataforma política futura poderá tornar tabu todas estas questões, que devem ser explicitadas à opinião pública sem medos nem chantagens catastrofistas, com argumentário de apoio sólido. E não emotivo, acrescentaria eu.

Entre muitas outras coisas que disse sobre a União Europeia, fui de opinião de que o Parlamento europeu pode, nesta fase, ter um papel importante como espaço de visibilidade para propostas em matéria de opções económico-financeiras europeias que, até ver, não encontram um terreno favorável de afirmação a nível do Conselho de ministros, provavelmente com tradução mais ou menos similar nos equilíbrios internos da nova Comissão Juncker, embora este terreno também não deva ser desprezado, pelo menos num teste aos compromissos do seu presidente.

Gostei muito deste debate. Encontrei por lá velhos e novos amigos, gente que tem em comum uma recusa da resignação e uma vontade de remar contra a maré, mesmo a da moderação - de expetativas e de atitudes - como aquela que eu por ali pareci representar.

Consultar aqui a minha intervenção inicial.

sexta-feira, outubro 03, 2014

Liberdade

No CCB, a Fundação Francisco Manuel dos Santos leva a cabo, hoje e amanhã, a terceira edição das suas conferências "Presente no Futuro", este ano dedicada ao tema "À procura da liberdade".

Há pouco, na TVI, a propósito do evento, uma voz em "off" afirmava durante o telejornal da noite: "Pior que o nível de impostos está a rigidez do mercado de trabalho e o peso do Estado na Economia. São estas as variáveis que hoje representam os maiores bloqueios à liberdade económica em Portugal". Em fundo, via-se um gráfico e a fonte que terá inspirado esta proclamação: Heritage Foundation.

A nossa liberdade está também na possibilidade do público incauto não ser "agredido", porque de uma agressão se trata, com uma proclamação deste género, em tom doutoral e como se de uma verdade inegável se tratasse.

A nossa liberdade passa também pela exigência do contraditório face à imposição deste "pensamento único". Há dois dias, na RTP, assisti, atónito, a um programa sobre economia com Camilo Lourenço, João César das Neves e uma terceira personagem, cujo nome não recordo. Cada um mais liberal do que o outro, os três interlocutores, sem um mínimo de respeito pelas opiniões contrárias às suas, passaram para o espetador conceitos e ideias mais do que discutíveis, em tom de teses definitivas. Isto numa televisão do Estado, paga com dinheiros de todos nós.

Há ainda um longo caminho a percorrer na preservação das nossas liberdades, como os exemplos acima bem o provam. 

quinta-feira, outubro 02, 2014

Uma síntese

Um dia poderemos falar do "revisionismo" que por aí anda sobre a ditadura a que o 25 de abril pôs termo. E dos nomes de uma geração de historiadores que, com jeito e subliminar técnica, pacientemente se dedicam a dulcificar ou relativizar o caráter sinistro do Estado Novo.
 
A técnica é simples: reconhecem-se alguns factos impossíveis de negar sobre o Estado Novo (às vezes com algumas adaptações semânticas, para não contribuir para a "narrativa" oposicionista tradicional) e, depois, relativiza-se essa realidade com imediata referência aos acontecimentos do período da I República. Este período é também quase sempre usado para absolver o autoritarismo dos últimos anos da monarquia, por cuja turbulência, aliás, os republicanos são tidos como os principais responsáveis. Porém, este percurso justificativo não leva a sua lógica até ao fim, isto é, não explica, por exemplo, que a agitação monárquica foi responsável por muita da instabilidade dos primeiros anos da nova República e que o golpismo premonitório do 28 de maio de 1926 muito contribuiu para a sua desestruturação e declínio. Outra "técnica" complementar é usar pontuais abusos ocorridos no período revolucionário de 1974/75 (prisões, sevícias, etc.) como exemplos de que, afinal, as coisas não haviam sido assim tão diferentes na época imediatamente anterior.   
 
Às vezes, quem muito escreve sobre estes assuntos é obrigado a sínteses. Foi o que aconteceu hoje a um prolífico historiador moderno, talvez o mais proeminente exemplo da historiografia conservadora, Rui Ramos. Talvez ele não aprecie que esta sua frase seja retirada do contexto, mas eu acho-a tão exemplar que não resisto a citá-la: "O Estado Novo foi uma ditadura, sujeitou a imprensa à censura, falsificou eleições, e prendeu, torturou e matou oposicionistas". Ele não escreveu apenas isto, mas é só isto que dele me apetece citar. E elogiar. 

Alternativas

 
Na tarde do próximo sábado, dia 4 de outubro, participarei numa mesa redonda no âmbito do "Congresso Democrático das Alternativas", a ter lugar no liceu Camões, em Lisboa.
 
O tema será "A dívida, a União europeia e a soberania". No debate, moderado por José Castro Caldas, participarão ainda João Ferreira do Amaral, José Gomes Canotilho, Marisa Matias e Octávio Teixeira.

Às vezes por uma rosa

 
Ontem à tarde. Era um café de bairro, muito pequeno, com duas mesas apenas, daqueles que servem refeições rápidas. Eu era o único cliente, para uma bica. Dentro do balcão, dois homens, claramente sócios. Discutiam como se eu não estivesse por ali. A relação entre os dois tinha algo de estranho, como se houvesse uma afetividade já ferida pelo desgaste de uma difícil vida em comum, que visivelmente não se resumia àquele confinado espaço. Um deles, um pouco mais velho, queixava-se de que o outro não colaborava como devia, que algo que lhe competiria fazer nunca aparecia feito. O outro, barba de três dias, esquálido, de olhar vidrado, mostrava um estado de tensão cada vez menos contida. "Já ouvi. Acabou! Não digas mais nada!". O primeiro insistia, mais sereno na aparência, o que sugeria uma espécie de assumida autoridade. "Já te disse que isto assim não pode continuar". A minha bica, praticamente sem que qualquer deles me olhasse, lá surgiu. "Vais-te arrepender, se não te calares", disse o admoestado, num crescendo de raiva. Estranhamente para os costumes, as suas vozes não subiam muito. Pelo contrário, soavam a remoques que a sua proximidade física, atrás do balcão, transformava numa coreografia teatral bizarra. "Eu digo o que quiser! Tenho razão!", insistia o primeiro, em jeito de persistir em esgravatar no mal-estar. Foi então que, comigo sempre "ausente", vi a faca surgir na mão do outro. Separava-os nem um metro. Com a voz a tremer, apontando-a junto à cintura, saiu-lhe: "Já faltou mais para te espetar isto nas tripas!" Um sorriso amarelo surgiu na face do primeiro, que, no entanto, ousou ainda a provocação: "Não tens coragem!". Vi então uma chispa no olhar do da faca e não me contive: "Meus senhores! Calma!". A faca foi pousada sobre o balcão. Tive a sensação de que o mais novo, que me servira a bica, só então olhou para mim, de forma fixa, bem no fundo dos olhos. "Quer pagar o café?". Paguei e saí. 

Lembrei-me então de Manuel Alegre:

Aqui viviam morriam. Tinham suas mulheres
suas tabernas seus adros
seus ódios e seus amores.
Aqui às vezes matavam.
Por uma vaca. Uma galinha. Água. Desespero.
Por uma coisa de nada:
às vezes por uma vaca
às vezes por uma rosa.

Naquele caso, seria mais pela rosa do que pelas mulheres.

Este país anda muito nervoso. 

quarta-feira, outubro 01, 2014

Eduardo Ferro Rodrigues

Uma amizade de quatro décadas é um "disclaimer" que não escondo, mas a presença de Eduardo Ferro Rodrigues à frente do grupo parlamentar socialista é, para mim, a primeira boa notícia da nova gestão de António Costa.
 
Ferro Rodrigues é um dos mais sérios políticos portugueses, um homem de princípios como conheço poucos, uma figura que honra a nossa democracia. Em todos os lugares que ocupou deixou uma rara marca de rigor, de competência e de dedicação à causa pública.

"The last king of Portugal"

Posso estar enganado, mas não me parece que Paula Rego, com a sua nova exposição "The last king of Portugal", vá grangear novos fãs em certos amigos meus...

A consideração


As más relações entre aquele embaixador e o ministro dos Negócios Estrangeiros eram conhecidas. Um conflito entre os dois desencadeara uma "guerra" surda que se mantinha já há alguns meses, com alguma repercussão pública. O ministro suportava o diplomata porque, por um conjunto variado de razões, era-lhe conjunturalmente impossível "ver-se livre" dele. Mas, sempre que podia, não deixava de atuar de modo a tornar difícil a vida do embaixador. E este, quase sempre, respondia da mesma moeda e, nas suas respostas, roçava frequentemente a insolência. O ministério, deliciado, esperava para ver quem seria o primeiro a "quebrar".
 
Um dia, o embaixador decidiu protestar por escrito, a propósito de uma qualquer decisão de Lisboa que entendeu errada. Como era seu hábito nesse tempo de confrontação com o ministro, usou um tom agreste na comunicação. A atitude terá desagradado ao chefe da diplomacia, que decidiu responder-lhe de uma forma ríspida, dizendo-lhe que não admitia comunicações formuladas naquele tom. Usou, para tal, um modelo de comunicação muito raro nas tradições da "casa", isto é, assinando ele próprio o "telegrama" ao embaixador, subscrevendo-o como "Ministro". Em regra, todas as comunicações enviadas de Lisboa para os postos aparecem assinadas por "Nestrangeiros", uma designação coletiva que representa o MNE. Dessa vez, o ministro optara pela fórmula de exceção, seguramente para marcar bem a pessoalização do "ralhete", que logo circulou pelos claustros.
 
O embaixador "dormiu sobre o telegrama", como se diz na linguagem tradicional do MNE. Só no dia seguinte respondeu, enviando um curto telegrama em que fazia uma indireta alusão ao facto de ter sido o próprio ministro a subscrever o texto: "Telegrama de V. Exa. nº "tal" foi lido por mim com a atenção que a sua origem justificava e com a consideração que o seu conteúdo merecia".
 
Conhecidas as relações entre os dois subscritores, ficava claro o que a "consideração" expressa pelo embaixador significava. Porém, no plano estritamente formal, o texto estava "blindado", isto é, dele não se poderia, necessariamente, inferir qualquer propósito menos respeitoso. De qualquer forma, vários diplomatas mais antigos, conhecedores do rigor dos humores do ministro, ficaram à espera de ver surgir, como reação, o conhecido texto que indicia a retirada do embaixador do local de trabalho: "É Vexa chamado em serviço, sem regresso ao posto".

Porém, nada aconteceu. O embaixador continuou em funções. O ministro não terá tido a coragem ou, o que é mais provável, continuava a não ter a possibilidade de se "ver livre" dele. Tempos depois, viria a acontecer precisamente o contrário: o ministro viria a abandonar o lugar, sem honra nem glória. E foi o embaixador quem se "viu livre" do ministro. É a vida!

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...