quarta-feira, dezembro 21, 2016

Gambuzinos no Chiado

Foi num jantar com amigos meus, alguns que não se conheciam entre si. Ainda recordo o lugar: o antigo "Copo de Três", à Praça das Flores, onde hoje está o "Castro Flores" (por acaso, vou lá almoçar amanhã...)

Já não sei bem como e a que propósito, veio à conversa o nome de uma certa cabeleireira lisboeta, muito na moda, que recebia figuras bem conhecidas. Uma das amigas presentes era sua cliente habitual. Foi então que comentei: "Foi muito triste o que aconteceu com aquele salão! Ter de fechar assim de repente..."

A amiga que era cliente supreendeu-se: o salão tinha fechado?! Expliquei que tinha sabido do assunto nessa mesma tarde, através de uma reportagem em "A Capital", que trazia tudo muito bem explicado.

Descobrira-se, por alguma denúncia, que o cabeleireiro era, no fundo, uma "frente" para um lucrativo prostíbulo de luxo, ali bem no meio de Lisboa. E havia muita gente implicada! Um famoso e exclusivo "gentlemen's club", que confinava com a cabeleireira, era a via de acesso dos homens para o lupanar, entrando as mulheres através do salão de cabeleireiro. Dei pormenores do artigo, falei de uma porta e de um corredor secreto, de uma varanda traseira ("é verdade, há uma varanda", confirmou a minha amiga).

A polícia selara tudo nessa manhã e havia mesmo pessoas detidas. "Este país está impossível. Já nada é o que parece! Essa é que é essa!", sentenciei.

A minha amiga estava atónita, e compreensivelmente chocada. Conhecia muito bem a cabeleireira e o marido, gente encantadora, punha "as mãos no fogo" por ela, era quase impossível que ela estivesse envolvida nessa tramóia! "No melhor pano cai a nódoa!", foi o comentário ouvido.

E muito mais perturbada essa amiga ficou quando outras pessoas, que também estavam na nossa mesa, gente que ela estava a conhecer ali pela primeira vez, confirmaram: um tinha já ouvido falar do assunto, outra lera o mesmo artigo de jornal que eu tinha lido.

A conversa prosseguiu, mudou-se de tema, mas a nossa amiga ficou visivelmente perturbada. E estava-o de tal modo que, à saída do restaurante, pediu ao marido para passar, de carro, pelo endereço da cabeleireira, para ver com os seus próprios olhos os selos de polícia na porta. Não sei se viu alguma coisa, porque à noite tudo é menos claro, até os gatos, dizem, são pardos e só há gambuzinos no ar.

A nossa amiga viria a sossegar, mas só mais tarde. A cabeleireira, afinal, não tinha sido presa, o lupanar, afinal, não existira nunca, a historieta, afinal, era uma invenção instantânea deste seu amigo, o comportamento dos outros, afinal, tinha sido provocado por um piscar de olho cúmplice - e, à distância, não lhe agradou mesmo nada que essas pessoas tivessem contribuído para a "gozação". Mas, afinal, já me perdoaste, não é, Mena?

Uma cunha na hora!



Aquela figura da "geringonça" olhou para mim com um ar perplexo, quando deixei cair, em conversa, que podia estar interessado num determinado cargo oficial. 

Ouvira-me, nos últimos dez anos, jurar a pés juntos que não estava disponível para exercer qualquer lugar no âmbito do Estado pelo que havia agora qualquer coisa que não batia certo.

- Era capaz de aceitar uma certa função não remunerada...

Bom, isso já podia ter algum sentido, deve ter ele pensado, julgando que eu estava a meter uma discreta "cunha" para um lugar de prestígio.

- É um cargo que ambiciono desde há cerca de três décadas.

Isso atirava para os anos 80. Pediu-me que concretizasse.

- Era para membro da Comissão Permanente da Hora.

"Comissão Permanente da Hora"?! O que faz essa comissão? Expliquei que, por lei, lhe compete "estudar, propor e fazer cumprir as medidas de natureza científica e regulamentar ligadas ao regime de Hora Legal e aos problemas da hora científica". Ora eu tinha reparado, há muito, numa falha na lei: era inconcebível que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não estivesse representado nessa comissão, pelas implicações que o regime da hora legal tem nas relações internacionais e na ligação com as instituições comunitárias. Impunha-se, desde logo, uma revisão da legislação nesse sentido.

- Tem lógica, disse ele. 

Mas, pondo os pés na terra, logo refletiu: mas por que é que eu queria esse lugar, um lugar não remunerado numa comissão que reunirá, talvez, uma vez por ano? E o que é que eu sabia do assunto para me qualificar para essa função? Pacientemente, expliquei que tinha passado por mim, noutros tempos, a questão do regime europeu da hora, pelo que sabia tanto ou mais do assunto como qualquer outra pessoa de lá do MNE.

- Lá isso é verdade. Mas estás mesmo a falar a sério?

- Claro que sim e agora tenho mais tempo, o que deve ser importante para um organismo que trata da hora... 

- Mas seria necessário mudar a lei. E o MNE teria de propor isso. Pode demorar...

"Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo".

- Bela frase! É tua?

- Não, é do Saramago.

Fiquei na dúvida sobre se esse meu amigo acreditou mesmo no que lhe "pedi". Um reformado a representar o Estado... Só eu é que tenho tempo para estas brincadeiras. Mas é Natal, ninguém leva a mal.

Carlos Gaspar


Continuar a aprender é uma das coisas que me dá mais prazer. E tenho aprendido muito, nos últimos dias, ao ler o magnífico "O Pós-Guerra Fria", do investigador e professor universitário Carlos Gaspar. 

Nem sempre, no passado, estive de acordo com algumas coisas que o Carlos disse ou escreveu sobre certas questões na ordem externa, o que torna porventura mais genuíno e franco este meu elogio ao seu livro. É uma evidência que se trata de alguém que, entre nós, reflete, como muito poucos, sobre as temáticas internacionais, com juízos de grande profundidade e uma leitura inteligente e perspicaz sobre a realidade política global. 

Notícias a sério


Chama-se João Fernando Ramos. Não o conheço pessoalmente, creio. Surge à frente de um jornal informativo na RTP2, às 21.30. Apresenta-nos, em apenas meia-hora (como em todos os países civilizados), um telejornal com equilíbrio, sem "gorduras", sem "Sónias Cristinas" em diretos inúteis, com entrevistas dinâmicas, convidados variados. No final, ficamos a saber tanto como com aqueles pastelões de mais de hora e meia que os três canais principais nos impingem. Ainda há notícias a sério.

terça-feira, dezembro 20, 2016

Suplementos

Volta e meia, com os jornais diários, surgem uns suplementos que, quase num gesto automático, seguem logo para o lixo. Ninguém lê aquelas estopadas, escritas num "jornalismo" oficioso e de publicidade disfarçada.
Que empresas privadas publiquem coisas dessas, tudo bem! O negócio é isso mesmo.
O que ultrapassa a minha compreensão é o facto de entidades públicas gastarem do dinheiro dos nossos impostos para promoverem serviços públicos.
Hoje, com o "Público", o Centro Hospitalar do Porto edita um suplemento com 40 páginas (!) de autopromoção.
Há dinheiro a mais na área da saúde? Não sabia.

segunda-feira, dezembro 19, 2016

O presidente e o país

O país divide-se na sua apreciação sobre as movimentações do presidente da República.

Uma parte acha que a sua "agitação" é positiva, que está criado um ambiente favorável à sua presença constante um pouco por todo o lado, que esse é o segredo da real descrispação que o país hoje vive. Outra parte - e sente-se que essa parte cresce, dia-após-dia - acha que o presidente está a ir longe demais naquilo que pode funcionar como uma certa banalização da sua figura, e teme por isso. Outros ainda começam a achar que o chefe do Estado entrou numa deriva presidencialista que coloca em causa os equilíbrios de poder com o governo.

A estes três grupos soma-se um outro, o que já "perdeu a paciência para o Marcelo": são as "viúvas" e os "viúvos" de Cavaco, os que, com raiva, o viram um dia entrar de rompante num congresso do PSD e "roubar o show" a Passos Coelho, os que não tiveram outra solução senão votar nele, os que cedo acordaram do sonho frustrado de o ver desmantelar a geringonça, os que acham que já chegou o tempo de denunciar o que lhes parece ser um "fazer da cama" de Passos Coelho, a partir de Belém.

O "Observador" é o órgão oficioso deste último grupo, desde as insídias nas "newsletters" aos (principalmente às) colunistas descabelado/as. Durante meses foram afinando a pontaria, das pequenas graçolas às bicadas mais ou menos subtis. Agora, já se soltaram e à vista da consoada, vendo-se sem prenda no par de botas em que se meteram, perderam as estribeiras. Já perceberam que este ano não vão ter Boas Festas e de que estão muito longe de poderem vir a ter um Feliz Ano Novo. A eles, apetece-me dizer a palavra que, lá por Vila Real, lançamos àqueles com quem nos cruzamos na rua, depois da missa do galo e até aos Reis: "Continuação", é o que sinceramente lhes desejo...

domingo, dezembro 18, 2016

Vinhos & Cia


Nunca percebi se o Bill Stevens era ou não da CIA. O rumor de que era corria no corpo diplomático em Oslo, mas isso nunca impediu que ele e a Judy se contassem entre os nossos melhores amigos. Em casa deles - uma moradia de madeira e vidro, na bela encosta de Holmenkollen - comemos o perú no Thanksgiving (festa em que os americanos só juntam a família e os muito próximos), eram visitas regulares lá de casa e fizemos divertidas excursões de fim-de-semana. Que será feito deles?

Um dia, o Bill teve a ideia de organizarmos um jantar comemorativo de qualquer coisa, num determinado restaurante de Oslo. A capital norueguesa, nesse início dos anos 80, não tinha muitos restaurantes. Os "de topo" eram uma meia dúzia, e extraordinariamente caros. O meu "subsídio de representação" - o acréscimo que é pago aos diplomatas, a somar ao salário-base recebido no país, para alugar casa, fazer "representação social", compensar o diferencial do custo de vida no exterior e o atenuar o facto do cônjuge ter de abandonar o emprego para nos acompanhar - era muito baixo para os preços praticados na Noruega, pelo que eu vivia os meses "a contar os tostões". As extravagâncias eram assim limitadas, com as idas aos restaurantes confinadas a umas pizzarias e coisas desse nível.

Mas não resisti à ideia do Bill, que, esclareça-se, não era um convite, era um jantar "a meias", que ele reservaria. Avisou que teríamos uma surpresa. O repasto era num primeiro andar frente ao Studenterlunden (não, não era o Annenetagen ou o Theatercaféen - para os conhecedores de Oslo). Sentámo-nos e ele revelou-nos a surpresa: tinha decidido pedir um "vinho português". Fiquei siderado! De facto, ao tempo, nunca havia visto qualquer vinho português nas cartas dos restaurantes norugueses, se bem que três ou quatro marcas estivessem à venda no Vinmonopolet - para quem não saiba, na Noruega, tal como na Suécia, as bebidas alcoólicas com graduação acima da cerveja são vendidas exclusivamente em lojas de um monopólio do Estado, a preços altamente marcados pelos impostos.

Fiquei satisfeito pelo gesto do Bill, claro. Um jantar com vinho do meu país! E estava curioso em saber o que aí viria. Não demorou muito: chegaram garrafas de... Mateus Rosé! Na realidade, era um produto nacional, mas eu nunca o "vira" como um vinho português. Com um sorriso que imagino amarelo, agradeci o gesto e lá acompanhámos a refeição, uma carne de rena, que era o "pão-nosso-de-cada-dia" da gastronomia local, com aquele produto. É que, para além de eu não apreciar "Mateus Rosé" (estou no meu direito, não estou?), de entender ser uma bebida pouco adequada para acompanhar uma refeição, o preço de cada garrafa era estratosférico, para a minha bolsa. Ah! Só que, sendo um produto português, eu tinha de dizer bem dele, claro.

Anos mais tarde, ouvi um colega espanhol numa diatribe contra a música de Julio Iglésias, que achava delicodice e para gostos parolos. Alguém, no grupo em que estávamos, lhe fez notar que era um pouco chocante ouvir de um diplomata espanhol propósitos de denegrimento de um dos mais bem sucedidos "produtos de exportação" do seu país. Eu concordei e disse-lhe: "Faz como eu faço com o Mateus Rosé: promovo e até sirvo em casa, mas não consumo..."

sábado, dezembro 17, 2016

Encontro de culturas


Anuncia-se o fecho da "Cornucópia" e logo acorrem as hostes dos poderes, do presidente da República ao ministro da Cultura, a dar notas de pena e acenar com notas de subsídio, para não deixar cair os atores que tantas alegrias proporcionavam a quem por ali ia.

Concretiza-se o fecho do "Elefante Branco" e nem um diretor-geral ou um secretário de Estado se fizeram presentes, a dar uma mão cheia de notas de carinho às dotadas jovens que, com paralela dedicação, tantas noites boas prodigalizaram a quem ali as procurava.

São públicos diferentes? Talvez. Mas quantas "Cornucópias" familiares não terá provocado o "Elefante Branco"?

sexta-feira, dezembro 16, 2016

Brasil, Brasil



O Brasil atravessa um momento único, regenerador mas perigoso.

Uma tensão política potenciada por um mau momento da economia e por um sentimento popular de revolta contra iniquidades do sistema, desencadeou uma crise institucional de inimagináveis proporções, que levou ao afastamento da principal figura do Estado.

Três constatações, entretanto, se impuseram: as liberdades públicas nunca estiveram em risco, a arquitetura institucional foi preservada e os mecanismos de justiça, que ganharam força quando os outros poderes se fragilizaram, acabaram por se autonomizar. Este último facto, contudo, pode revelar-se de certo modo inconforme com o próprio sistema político.

Porquê? Porque era, e é, um segredo de Polichinelo que a máquina política brasileira, do nível local ao federal, vive marcada por uma cultura comportamental à margem da letra das leis, no tocante ao financiamento da atividade dos agentes políticos.

Num primeiro tempo, a luta contra a corrupção, levada a cabo pelo aparelho de justiça e que havia ganho forte legitimidade popular para agir, pareceu relativamente compatível com o interesse imediato de quem tinha como estratégia a reversão dos equilíbrios políticos prevalecentes, em sintonia com um sentimento popular que um sufrágio posterior confortou.

Num segundo tempo, porém, ao partir da ação anti-corrupção para o terreno do financiamento dos agentes políticos e das suas atividades, que indubitavelmente se constata estar-lhe ligado, a mão da justiça passa a confrontar-se com a essência do próprio sistema. Mais: a sensação que fica é de que, se essa ação se aprofundar muito por essa mesma pista, o universo dos agentes políticos é de tal modo atingido que é a sobrevivência do próprio sistema que começa a ser questionada.

A onda salvífica da democracia potenciada pelo exercício de liberdade da justiça pode, assim, vir a redundar em impactos que se situam muito para além da capacidade de auto-regeneração do sistema.

Um conluio político-partidário, para uma operação de obstrução ou definição de uma « linha vermelha » limite para a ação judicial, não é de excluir, dado o caráter devastador, em matéria de efeitos, a que o atual processo de « delação premiada » pode conduzir. Resta saber se isso será compatível com a atenção escandalizada das ruas.

Para alguns, só uma relegitimação eleitoral surge como solução. Subsiste, contudo, uma imensa contradição: para tal, seria necessária a mobilização de quantos veriam o seu modelo de existência política posto em causa, ou em dúvida, por esse mesmo exercício. E não é evidente que o masoquismo ou o suicídio venham a prevalecer.

Não está fácil o Brasil, nos dias que correm.

Soares


Por muitos anos, Mário Soares era um nome que surgia nas referências da oposição democrática à ditadura. Vi-o fisicamente, creio que pela primeira vez, em 1969, à porta da Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, numa noite em que o então líder da oposição socialista pretendia aí fazer uma "sessão de esclarecimento". A polícia proibiu o "ajuntamento" e ouvi Soares, com voz forte e indignada, a contestar a decisão diante do famigerado capitão Maltez, antes deste ter ordenado a dispersão daquelas dezenas de pessoas, "por ordem do governo". Lembro-me bem de Soares perguntar, jocoso: "E que ministro é que deu a ordem? O da Agricultura?". Um grande jarrão à entrada de um vizinho restaurante chinês, atrás do qual me refugiei com uma amiga, ia sendo a vítima colateral da subsequente fuga dos circunstantes.

Ainda iria cruzar Soares, nesse ano, em duas outras reuniões da oposição. Eu estava então noutra onda, longe das suas ideias, mas apreciava-lhe a coragem e a determinação políticas. Depois das "eleições" de outubro desse mesmo ano, em que Soares e os seus amigos socialistas tiveram um resultado bastante fraco, ele saiu do país e iria ser obrigado a permanecer no estrangeiro, sob pena de ser preso, se regressasse. Só cá chegaria em 29 de abril de 1974.

Nunca falei com o ministro ou o primeiro-ministro Mário Soares. Mas recebi-o na Noruega, como líder da oposição, em 1980. Passariam 13 anos até voltar a encontrá-lo. Foi em 1993, em Londres, na nossa embaixada, aquando da sua visita de Estado, como presidente da República. Falámos então bastante de episódios da luta contra a ditadura e dos muitos amigos comuns. Criámos, a partir daí, uma relação de simpatia, que nunca mais se perdeu.

Em outubro de 1995, Mário Soares empossou-me como membro do governo e, poucos dias depois, acompanhei-o a Israel e à Palestina, escassas semanas antes dele abandonar Belém. Lembro-me de uma frase que então me disse: "Sabe que, em 10 anos como presidente, esta é a primeira e a última vez vez que sou acompanhado, numa visita oficial ao estrangeiro, por um membro de um governo da minha família política?" Era verdade. Estávamos ambos com Arafat quando o primeiro-ministro Rabin, com quem tínhamos almoçado horas antes, foi assassinado. E fomos ambos representar Portugal no seu funeral.

Convivi depois bastante com Mário Soares. Prefaciou e apresentou um livro meu. Tive a sua solidariedade em horas difíceis. Integrei a "comissão de honra" da sua frustrada terceira candidatura à Presidência da República, em 2006, que achei inconveniente mas que entendi ter o dever moral de acompanhar. Andei com ele pelo mundo, de Oslo a Gaza, de Estrasburgo a Roma, de Londres ao Cairo, de Brasília a Paris. Tivemos muitas e longas horas de conversa - sobre pessoas, factos e ideias. Nem sempre concordei com Mário Soares, mas não me custa admitir que ele teve razão muitas mais vezes do que eu.

Gres

É uma estrutura, dirigida pelo professor Nelson Lourenço, que trabalha no âmbito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. O logo explica o essencial do que ela é.

Não somos muitos, mas julgo que somos suficientes para levar a cabo um trabalho a que, desde há alguns meses, lançámos mãos e em que temos perdido/ganho bastantes horas. Algo que pode ser relevante para o interesse nacional, única motivação que nos junta - académicos, militares, diplomatas e outras valências especializadas.

Quando houver mais novidades, direi.

quinta-feira, dezembro 15, 2016

Uma história com Mário Soares


Foi no Brasil. Mário Soares tinha sido convidado para fazer uma palestra, num determinado contexto. Quando fui buscá-lo ao aeroporto, e tendo-me ele perguntado o que é que eu pensava da entidade que o convidara, coloquei sobre ela algumas reticências e, com franqueza, disse-lhe que, se acaso me tivesse perguntado antecipadamente, eu tê-lo-ia aconselhado a não ter aceitado tê-la como anfitrião.

"Ó diabo! Se o meu amigo me diz isso, fico preocupado!". Disse-lhe que, agora, nada havia a fazer. Tinha de gerir-se, com cuidado, a sua participação no evento e procurar controlar o aproveitamento que pudesse vir a ser feito da sua presença, em especial evitar fotografias com algumas pessoas eventualmente pouco recomendáveis.

Contrariamente ao que era seu hábito - Mário Soares, quando viajava, não gostava de ficar em embaixadas -, tive o gosto de, nessa vez, poder alojá-lo na residência oficial portuguesa. Conversámos longamente pela noite dentro, como sempre fazíamos, comigo a beneficiar da sua prodigiosa memória e perspicácia analítica, das pessoas e dos factos.

No dia seguinte, acompanhei-o ao evento. À porta, a recebê-lo, estava uma delegação que, para minha surpresa, incluía um cidadão que se apresentou como português. Mário Soares deu mostras de o conhecer, mas pareceu-me também surpreendido com a sua presença. Eu é que não sabia quem ele era, embora a fisionomia me dissesse vagamente algo. A ocasião não se proporcionou para eu perguntar a Soares sobre a personagem, cujo nome, contudo, nada me dizia.

Acabado o evento, o tal português "colou-se" a nós. Ao perguntar-me onde Soares jantava nessa noite, respondi-lhe que seria na embaixada, com outras pessoas, e fiz uma leve menção de saber se ele estaria disponível para se nos juntar. Foi nessa altura que senti o meu casaco a ser puxado para baixo. Era Mário Soares, a dar-me um sinal, claramente para evitar que eu concluísse o convite ao homem. Rodeei o assunto e entrámos os dois no carro.

"Sabe quem é este tipo, não sabe?", perguntou-me Soares. Disse-lhe que o nome e a cara me não diziam nada. "Pois não! Ele cortou a barba e passou a utilizar outro nome!". Tratava-se de uma figura envolvida num escândalo de corrupção ou coisa similar,  com bastante exposição mediática em Portugal, que optara por ir viver para o Brasil. Embora sobre ele, como vim a saber depois, não impendessem aparentemente questões judiciais, poderia ser algo incómodo tê-lo num jantar na embaixada, onde eu iria nessa noite homenagear Soares. Este, prudente, fora mais "rápido" do que eu a reagir ao imprevisto...

quarta-feira, dezembro 14, 2016

Petróleo & etc


O governo cancelou duas concessões de prospeção e exploração costeira de petróleo, alegando razões diversas. Manteve outras duas, mas fica no ar a ideia de que não tem, pelo tema, um apreço por aí além.

Sem prejuízo da necessidade de se preservar uma forte exigência no tocante aos critérios ambientais, espero que o Estado assuma que, no tocante aos recursos necessários para sustentar, no futuro, a nossa dependência energética, vivemos numa permanente navegação à vista, pelo que nenhuma opção é de excluir, em definitivo. Repito, nenhuma.

É muito fácil e popular sustentar opções demagógicas neste domínio, baseadas no clássico "nimby" ("not in my backyard"). Mais difícil, contudo, é ter soluções realistas, suscetíveis de apoiarem o crescimento do país, produzindo riqueza e bem estar.

Mudar de vida ou a Economia portuguesa na Globalização (II)

O segundo artigo coletivo sob o tema em epígrafe, hoje publicado pelo "Jornal de Negócios", pode ser lido aqui.

terça-feira, dezembro 13, 2016

Ai a gravata!


Ontem. Jantar no Cimas/English Bar. Aniversário de uma amiga, entre amigos. Levo gravata? "Vais ver que os homens vão de gravata!" Fui ver. Todos os homens iam de gravata? Não. Eu não ia.

Hoje. Almoço no Pabe. De trabalho. De gravata, claro. Entrei. O meu elegante interlocutor estava sem gravata.

Já não percebo nada...

Paraquerdismo autárquico

Devo ser eu quem não está com o "ar do tempo", mas devo dizer que tenho alguma dificuldade em aceitar a prática, que está a começar a tornar-se partidariamente endémica, de figuras políticas saltitarem entre municípios, para tentarem potenciar as hipóteses do seu partido ganhar mais Câmaras.

O poder local não é isto, é para ser exercido por quem está no dia a dia nas terras a que concorre, quem lhes conhece bem os problemas e as gentes. E é ridículo - e denota oportunismo - andar a saltitar de um lado para o outro. A resposta devia ser dada pelos eleitores, mas a cegueira, somada ao carneirismo político, é muita.

(Sei que alguns amigos não vão gostar do que acabo de escrever, mas é vida!, como costumava dizer um outro amigo que ontem mudou a sua)

Força, Mário Soares!


Olhar o Mundo


Já pode ser visto no RTP Play o último programa "Olhar o Mundo" onde, com António Mateus, converso sobre o momento da Europa, para além de notas sobre a sucessão política em Angola, a surpresa da demissão do primeiro-ministro neo-zelandês, a crise político-institucional que se vive no Brasil, a atribuição do Prémio Nobel da Paz ao presidente colombiano José Manuel Santos, a demissão da presidente da Coreia do Sul, a tomada de posse de António Guterres como secretário-geral da ONU, o reacender da conflitualidade na República Popular do Congo, as surpresas de Trump em matéria de política externa, o caminho autoritário da Turquia e, finalmente, o problema do pedido de levantamento da imunidade diplomática aos filhos do embaixador do Iraque.

Pensar Portugal

Ao tempo em que ainda vivia em Paris, fui convidado por Miguel Lobo Antunes, diretor da Culturgest, a integrar, quando regressasse definitivamente a Portugal, um grupo que se dedicava a refletir sobre a sociedade portuguesa e o seu futuro. O objetivo do grupo era exclusivamente esse: pensar de forma aberta, sem qualquer espartilho político-partidário, alguns problemas centrais do país, dando especial atenção aos constrangimentos ao seu crescimento, quer na área económica quer na estrutura do Estado, agregando para tal as contribuiçōes externas tidas por interessantes.

À época, para além do próprio Miguel Lobo Antunes, compunham o grupo Fernando Bello, João Ferreira do Amaral, João Salgueiro e José Manuel Felix-Ribeiro. Com o tempo, juntaram-se-nos João Costa Pinto, Lino Fernandes e Júlio Castro Caldas.

Para além de vários debates organizados na Culturgest, abertos ao público, onde intervieram deputados europeus e muitas outras personalidades, o grupo produziu documentos, que vieram a ser publicados na imprensa, com contributos que, frequentemente, refletiram o saldo de audições feitas a diversos especialistas, num espetro de opiniões sempre muito alargado. Todos os documentos produzidos pelo grupo podem ser consultados no blogue Pensar Portugal (www.pensarportugal2016.blogspot.com).

Hoje, o "Jornal de Negócios" publica o primeiro de dois novos textos do grupo, subordinados ao tema "Mudar de Vida ou a Economia portuguesa na Globalização". Esse primeiro texto pode ser consultado aqui.

E agora, António?


António Guterres foi ontem entronizado como novo secretário-geral das Nações Unidas, cargo em que assumirá funções no primeiro dia de 2017. É o cume da carreira extraordinária deste engenheiro eletrotécnico que, sem nunca ter sido secretário de Estado ou ministro, chegou um dia à chefia do governo em Portugal, onde ficou por mais de seis anos. 

Oriundo de famílias de meios limitados, estudante sem mácula, profissional de excelência no Gabinete da Área de Sines, Guterres é talvez a prova de que a meritocracia funciona, em Portugal, mais vezes do que se pensa. Militante católico fervoroso, humanista por vocação, dialogante por convicção, procurou transmitir na sua governação um choque de modernidade à sociedade portuguesa, conduzindo habilmente o país no plano europeu e internacional. Um dia, sob o cansaço do impasse político, cumulado por questões familiares, pôs fim definitivo à experiência política nacional, a que se dedicara por décadas. 

Remeteu-se a partir de então à dignidade de um quase inquebrantável silêncio e, com o empenhamento total que está nos seus genes, enveredou por uma desafiante experiência internacional, numa área que casava bem com as suas preocupações sociais. Teve sucesso, ganhou prestígio e, aproveitando muito bem uma conjuntura que acabou por sorrir-lhe, viu as suas raras qualidades reconhecidas, na escolha para o lugar mais relevante na maquinaria internacional para a defesa da paz e da segurança.

Guterres chega à ONU num momento muito complexo. A potência que um dia estimulou o desenho da ordem internacional que tem as Nações Unidas no seu centro acaba de eleger, para a chefiar, a pessoa menos propensa a aceitar uma ordem global equilibrada e solidária. Ao "America first" somam-se uma Rússia em pleno curso de recuperação estratégica da humilhação da Guerra Fria, uma China que vive um tempo de afirmação política para sustentar o seu crescente peso económico, um projeto europeu declinante, dividido e sem entusiasmo, que vive um dia-a-dia de mera sobrevivência, com o risco de crise ao virar da esquina. O Médio Oriente está inflamado como nunca nas suas tensões, com efeitos colaterais que desestabilizam largos espaços geopolíticos. A pobreza e a desigualdade continuam a marcar várias regiões do mundo e a liberalização comercial global está em claro refluxo, com o nacionalismo protecionista a ganhar um novo ciclo de popularidade. O mundo está perigoso.

A fé move montanhas, diz-se. Não será por falta dela que esta nova montanha em frente de António Guterres se não moverá.

segunda-feira, dezembro 12, 2016

Camisola

Não consegui, até hoje, convencer a família de que, a minha prenda de Natal ideal seria uma destas camisolas brancas de alças, sem mangas, que, em matéria de elegância e distinção, disputam com os fatos-de-treino com que alguns se passeiam pelos centros comerciais. A dúvida sobre se isso terá de ser complementado por um cordão de ouro e por uma discreta tatuagem permanece, contudo.

Benfica - Sporting

O Benfica ganhou ao Sporting. Parabéns aos benfiquistas. Não escandaliza a vitória do Benfica, embora o Sporting tivesse, a meu ver, jogado de uma forma em que a sua vitória não seria um resultado injusto. Serve isto para dizer que entendo que o empate teria sido o desfecho mais natural. Não foi assim, o Benfica foi mais eficaz, mais oportuno e, por isso, um vencedor sem contestação. Ponto.

domingo, dezembro 11, 2016

Blogues

Eu que escrevo este blogue com teimosa regularidade diária, desde há quase oito anos, e que não me posso queixar de falta de leitores, estou contudo a criar a ideia de que o tempo dos blogues "já era", que o Twitter, o Instagram e o Facebook, pela sua instantaneidade, prevalecem hoje no "mercado" informático. 

Talvez esta minha perceção derive do facto de, enquanto leitor, ter praticamente deixado de visitar blogues, ao contrário do que fazia no passado - em que "corria" uma dezenas desses "sites", logo ao abrir o dia. Nos dias que correm, se passo por uma meia dúzia de blogues por semana, já será muito.

Será assim? Os blogues estão a passar de moda?

Hoje, é assim!


sábado, dezembro 10, 2016

sexta-feira, dezembro 09, 2016

Maquilhagem


Gosto bastante das conversas, sempre curtas, com as maquilhadoras dos canais de televisão por onde, às vezes, passo. O ambiente parece o de um barbeiro, mas não é. Nesse caso - em que o meu barbeiro de décadas se converteu num amigo - a interlocução é mais prolongada. Com as maquilhadoras, a conversa é obrigatoriamente mais rápida, mas, às vezes, bem frutífera: já tive, dessas senhoras, boas dicas de restaurantes e de locais de férias. 

Na maquilhagem, há quase sempre, depois do programa, um segundo tempo: a desmaquilhagem. Se o exercício é à noite, salto quase sempre esse passo, optando por retirar em casa, com água e sabão, aquela poeira amarelada que nos dá o ar de velhas senhoras pálidas (já dei cabo de várias toalhas de rosto, porque aquela "tinta" é, de facto, terrível). Há dias, à saída de um debate, ao dizer a um colega de painel, velho "routier" semanal de uma certa televisão, que o não acompanhava à operação de retirada da "cor", ele retorquiu-me: "Não, eu vou sempre à desmaquilhagem. É que aqui fazem isso tão bem que quase parece uma massagem à cara. Há umas semanas, ia mesmo dormindo na cadeira...". Um destes dias, vou experimentar.

Hoje, num outro canal, a conversa foi sobre outro sono, o eterno. Como se sabe, há agora uma mania de maquilhar os mortos. A senhora com quem falava, que nunca atendeu mortos, estava numa tarde "gloriosa", divertida mas algo mórbida: "Deve ser uma experiência interessante: não se mexem, não falam e não se queixam da cor". Não resisti: "E, depois, dão muito menos trabalho, não é?". "Depois"? Ela não percebeu logo. "Porque não há que desmaquilhá-los, depois". Ela concordou, com um sorriso. "Então até já!", esperando que eu regressasse daí a cerca de uma hora. Mas eu fiz de morto...  

O mel de Putin


No discurso politico usado na campanha eleitoral, Donald Trump deixou sinais claros de uma simpatia pelo estilo de liderança de Vladimir Putin. Era óbvio que o fazia para sublinhar o contraste com o modelo Obama, acusando este de fraqueza e de falta de ambição na promoção dos interesses americanos. Daí a ser prenunciada uma entente Obama-Putin, com impacto à escala global, foi um passo fácil para os futuristas de pena ligeira.

O modo como Putin lidera a Rússia tem muito a ver com a circunstância de o fazer num país que se sente visivelmente humilhado pelo modo como terminou a Guerra Fria com o Ocidente. O facto das fronteiras da NATO e da União Europeia terem sido levadas, em poucos anos, até escassas centenas de quilómetros de Moscovo é uma reversão estratégica que a Rússia nunca aceitou. A sua população olha o estilo de Putin, e até às suas ousadias (na Geórgia e depois na Ucrânia, com o flagrante sucesso da Crimeia), como uma desforra ao desafio e ao “cerco” que entende existir à volta do país. E é com orgulho que deve olhar a ação militar na Síria, num Médio Oriente onde Moscovo nunca havia sido um ator no terreno, encenando, embora de forma limitada, uma espécie de “remake” do poder global que a URSS um dia foi.

Num mundo onde o conceito de “democracia”, de que ninguém ousa curiosamente afastar-se, é interpretado do modo mais diverso e antagónico, o modelo russo, a que alguns chamam já “democratura” (de democracia e ditadura), surge como apelativo para alguns – eleições com limitações, pressão sobre os media, fragilização da separação de poderes, intimidação ou repressão sobre opositores, etc. Estados como a Turquia ou mesmo a Hungria, para já não falar da Bielorrússia ou do Azerbaijão ou de todas as Repúblicas da Ásia Central, vão, embora a ritmo diferente, nesse caminho, que quase sempre incorpora uma clara personalização do poder.

O que não deixa de ser curioso é o que se passa entre nós, em Portugal, no que toca a uma sedução caricata em torno de Putin. Alguns setores, que tanto se ercarniçam - e com razão - contra o sectarismo dos Bálticos ou a brutalidade israelita, absolvem alegremente as distorções dos valores democráticos pelo “putinismo”, fecham os olhos à carnificina de Aleppo, valorizando apenas o combate russo ao desequilíbrio estratégico global pós-Guerra Fria. Sem o assumirem explicitamente, o seu raciocínio é caricaturalmente este: se Putin desagrada àquilo de que não gostamos (a NATO, a prevalência do poderio americano, uma ordem no Médio Oriente condicionada por Israel), então “que viva Putin!”. Putin significa autoritarismo e desprezo pelas regras da democracia “burguesa”? Pode ser quem sim, mas isso é apenas um despiciendo detalhe para quem, bem lá no fundo, nunca acreditou que isso fosse o essencial.

quinta-feira, dezembro 08, 2016

8 de dezembro


Por muitos anos, o dia 8 de dezembro foi o dia da mãe. Já não sei por que luas, deixou um dia de o ser, oficialmente. A data ficou-me na memória afetiva, porque acho que, com estas coisas, não se deve andar aos trambolhões pelo calendário.

quarta-feira, dezembro 07, 2016

Um adeus


Uma instituição que, por muitos anos, reforçou as relações entre diversificados setores da sociedade portuguesa e membros de comunidades originárias, em especial, da Europa de Leste e do Brasil, terá cessado agora a sua atividade, ao que me dizem. As relações externas portuguesas sofrerão assim uma perda de tomo - e isso é relevante para uma vertente, embora algo paralela, da nossa diplomacia. Embora nunca tivesse tido o ensejo de conhecer pessoalmente o espaço em causa, inclino-me perante a melancolia que sei que atravessa quantos nele, ou a partir dele, cultivaram laços que agora ficam mais fragilizados.

Parabéns, Mário Soares


Faz hoje anos Mário Soares. O seu estado de saúde não lhe permite usufruir em pleno um aniversário que nós, seus amigos, temos obrigação e prazer em comemorar, por aquilo que ele é, pelo que representa para um país cuja liberdade e bem-estar ele muito ajudou a construir.

O novo PCP


Acabo de ler uma notícia surpreendente: no Comité Central do PCP, depois deste XX Congresso, só resta Ruben de Carvalho de quantos militantes do partido - e foram muitos! - um dia estiveram presos durante a ditadura. A renovação geracional é um facto no seio dos comunistas, sem que isso, contudo, tenha conduzido a uma mudança profunda de orientação política, o que talvez seja o segredo da sua sobrevivência. Outros dirão que, pelo contrário, a sua participação bem sucedida na "geringonça" é a prova de que os comunistas continuam a seguir a máxima de Cunhal: firmeza estratégica e flexibilidade tática.

Para o Ruben de Carvalho, que foi, por muitos anos, a alma dessa grande realização que é a Festa do Avante, que há semanas cruzei numa bela charla radiofónica e com quem sempre lembro as divertidas jornadas em casa do Bartolomeu (Cid dos Santos), deixo aqui um abraço de amizade.

Polícia da Régua

Na minha terra, em Vila Real, quando se queria dizer que alguém era autoritário, façanhudo e de modos rudes, dizia-se que era "pior do que um polícia da Régua". Nunca soube a origem da expressão mas, confesso, passei a utilizá-la ao longo da vida, à vista de alguns especimens que se assemelhassem ao modelo de um cívico grave, de larga bigodaça e, claro, com barrriga - porque me habituei a associar a autoridade à existência de alguma proeminência abdominal. E, das muitas vezes que passo pela Régua, se me cruzo com um polícia, tento perceber se ele está à altura do mito.

Há pouco, no Tweeter, o meu amigo Fernando Barreto, irmão de "todos os Barretos", um vila-realense com fortes ligações familiares à Régua, atirou-me com esta surpresa: o "polícia da Régua", afinal, era de Vila Real...

Já nem nos mitos se pode confiar, caramba!

terça-feira, dezembro 06, 2016

Agora, a sério

O que se passou ontem com a entrevista do primeiro-ministro à RTP obriga a uma reflexão. 

A entrevista, em si mesma, pareceu-me basicamente correta. A barragem de "avisos" que as redes sociais de direita (deixemos de falar em "centro-direita", que é um termo próprio da direita envergonhada) haviam feito nos últimos dias contribuiu para a postura fortemente inquisitiva dos entrevistadores. 

Não me pareceu mal que assim fosse. António Costa não esteve à vontade, irritou-se e teve alguma dificuldade em "navegar", de forma satisfatória, pelas trapalhadas da Caixa. Pelo meio, disse algumas coisas interessantes sobre o tratamento europeu da questão da dívida e sobre as perspetivas legislativas em matéria laboral. O "ticket" de entrevistadores pareceu-me bem escolhido.

O escândalo - porque é um verdadeiro escândalo - foi a escolha dos jornalistas que, na RTP 3, analisaram a entrevista, na sua imediata sequência. Nem uma só dessas pessoas é conhecida por ter uma atitude isenta face ao atual governo. 

Para ser mais claro, trata-se de comentadores que, sem uma única exceção, defendem opções económicas e políticas opostas às de António Costa. Só por ali faltaram Camilo Lourenço ou José Gomes Ferreira ou Pedro Arroja ou Paulo Ferreira ou António Costa ou João Vieira Pereira ou a maré liberal da blogosfera - tudo gente que, dia após dia, exercita um jornalismo de oposição que, sendo legítimo, um juízo de meridiano equilíbrio editorial obrigaria a ser posto lado a lado, não com académicos defensores da "geringonça" (como depois fizeram com Paes Mamede ou Pedro Lains), mas com jornalistas que não façam parte do grupo dos invocadores do Diabo outonal que teima em atrasar-se.

Esteve muito mal neste caso a direção de informação dirigida por Paulo Dentinho, de uma RTP chefiada por Gonçalo Reis. Mostrar independência não é sinónimo de entregar poder informativo à oposição. Até porque me não recordo de que, nos tempos da antiga maioria, a opinião económica veiculada pela mesma RTP, que lembro que já era dirigida por Gonçalo Reis, fosse alguma vez tão esmagadoramente de esquerda como esta é de direita.

Frete

Acho lamentável que a RTP convide para comentar na RTP 3, depois da entrevista do primeiro-ministro, apenas e só jornalistas que, manifestamente, adoram António Costa. 

Assim não!

segunda-feira, dezembro 05, 2016

Ainda as Lajes

... mas desta vez nada tem a ver com os militares. Refiro-me à aterragem de emergência, ontem, no aeroporto das Lajes, na Terceira, nos Açores, de um voo da Qatar Airways. (Isto é motivo para um post? Que falta de imaginação!, devem estar a pensar. Mas já verão porquê!). Ao que parece, os traumatizados passageiros, entre eles alguns feridos por uma queda abrupta do avião, foram sujeitos a largas horas de espera. Um jornalista da Al Jazeera, que também nele viajava, filmou a indignação dessas pessoas e foi dando disso conta ao mundo. 

Milhões de cidadãos de várias nacionalidades, que só remotamente tinham até então ouvido falar de Portugal, ficaram a associar o nosso país a um acolhimento de "terceiro mundo", a uma burocracia sem sentido, a uma desorganização qualificadora de um país desagradável. Algum do esforço que por todo o mundo é feito para promover Portugal como um país "idílico" para o turismo, desde logo os próprios Açores, pode ter-se perdido nessa imagem negativa, na boca dos qataris e americanos entrevistados.

E, no entanto, a verdade pode não ser necessariamente essa.

Uma aterragem de emergência é isso mesmo, é uma emergência, que deve ter uma maior dificuldade em ser enfrentada por se tratar de um fim-de-semana. Além disso, aquele nosso aeroporto tem as condições que tem, é uma infraestrutura com um quadro de recursos humanos naturalmente impreparados para operações com aquela dimensão logística, pelo que deve ter tido de improvisar a resposta imediata.

Mas há um ponto que particularmente me impressionou: a queixa sobre o tempo que demoraram os procedimentos de verificação da identidade de todos os passageiros, que só podiam sair do aeroporto, para se instalarem em hotéis, depois de verificado se algum de entre eles estava impedido de entrar em território europeu. Ora, ao levar a sério esses procedimentos, ao não "facilitar", as autoridades aeroportuárias da Terceira deram apenas mostras de grande sentido de responsabilidade e profissionalismo. Imagino que seria "o bom e o bonito" se acaso, numa falha em matéria de controlo de segurança, alguém suspeito se tivesse escapulido...

E, confesso, apeteceu-me responder a um preconceituoso passageiro americano, que passou muito nas televisões, que ter passaporte americano não é sinónimo de não se ser um criminoso e que, em matéria de "racial profiling" em aeroportos, em particular no que respeita a não praticar discriminação contra "pessoas com cor indiana", não recebemos lições dos EUA. Até o nosso primeiro-ministro tem essa cor...

Itália

O que ontem se passou em Itália configura um dos tradicionais desvios que afeta os processos referendários. No sim-ou-não simplificado proposto aos eleitores, esconde-se sempre muito mais.

O voto negativo de ontem, para além de poder ser uma resposta à questão concreta colocada, corporiza igualmente a insatisfação do eleitorado face à generalidade da situação que atualmente vive - com estagnação na economia, desemprego elevado e uma visível degradação social no país.

A isso se soma um voto de censura a Renzi, um primeiro-ministro desgastado por não corresponder à esperança nele investida e que, para muitos, assumiu um gesto de chantagem e de alguma arrogância ao ter ligado a sua permanência em funções a uma mudança constitucional que, mal ou bem, por razões talvez diversas e contraditórias, muitos italianos não entendiam como positiva na forma apresentada.

A Europa pode vir a sofrer bastante com a instabilidade induzida pelo sentido deste voto e do modo como alguns dele se possam apropriar em eleições legislativas futuras, mas, com a modéstia que sempre devemos ter quando apreciamos uma situação desta complexidade, não creio que dele seja legítimo extrair uma atitude anti-europeia maioritária por parte da Itália.

Comentário internacional

É evidente uma crescente qualidade, em Portugal, no comentário televisivo sobre temas internacionais, por gente cada vez mais jovem.

Lembrei-me disto há pouco, ao ouvir Filipe Vasconcelos Romão e Bernardo Pires de Lima pronunciarem-se sobre os eventos de domingo. De ambos, ouvi palavras ponderadas, um evidente conhecimento dos temas, equilíbrio nos juízos produzidos.

Se a isto somarmos o conjunto de especialistas, também jovens (a exceção mais velha que lá anda apenas serve para confirmar a regra...), que António Mateus junta no programa da RTP "Olhar o Mundo", bem como outros nomes que surgem com regularidade noutros canais, julgo que estamos perante uma verdadeira geração de ouro nesta área.

Com toda a franqueza, creio que a política internacional está muito melhor servida do que a análise política interna ou mesmo a análise económica, onde os ditos "especialistas", com algumas boas exceções, se pressentem cada vez mais "balcanizados", ao serviço despudorado de ideologias ou lógicas partidárias, com um enviezamento das opiniões que cada vez mais os descredibiliza perante quem os ouve.

domingo, dezembro 04, 2016

Perder amigos

Ontem, por ocasião de um encontro de antigos estudantes, em Vila Real, um velho conhecido, que já não via há muitos anos, veio ter comigo: "Leio muito do que escreves e às vezes vejo-te na televisão".

Por curiosidade, perguntei: "E estás de acordo com o que eu digo?".

A resposta: "Nem sempre, nem sempre! Tu tens a mania de pensar muito pela própria cabeça e, às vezes, não "encaixas" onde a gente está à espera. Tanto dizes uma coisas com que concordo a 100% como, noutros assuntos, discordo em absoluto. E tens ocasiões em que és um pouco ácido de mais."

"Mas não achas bem que é mais honesto que eu diga exatamente o que penso, estando-me "nas tintas" para o efeito que isso possa ter nos outros?", retorqui.

Curioso foi comentário que se seguiu: "Não sei. A pensar assim, deves perder muitos amigos".

Calei-me. Não quis dar-lhe a razão que, de facto e cada vez mais, ele tinha.

(se, como disse, ele me lê, vai acabar por "ver-se" por aqui)

sábado, dezembro 03, 2016

(*) A confirmar

Um jornal traz hoje o anúncio de uma conferência, com o nome de alguns dos oradores seguido do clássico asterisco (*) e da nota "a confirmar".

Já tive a irritante experiência, por mais de uma vez, de ver o meu nome publicado com idêntica referência e, devo confessar, é muito desagradável. Porquê? Porque quase sempre há gente conhecida que vai a essa conferência / painel / palestra para nos ouvir e, mais tarde, vem queixar-se: "Então faltaste?". Ora quem, neste caso, "falta" a um evento, tendo sido dado como "a confirmar", são cidadãos que são incluídos no rol de oradores sem para isso terem dado o seu prévio consentimento. Trata-se, assim, de um abuso e de uma deselegância a pública indicação do seu nome.

Há meses, fui convidado para falar numa conferência determinada cidade do país. Nunca tinha ouvido falar da entidade que convidava (e a internet, estranhamente, não dava a menor referência sobre ela), não conhecia ninguém envolvido na organização, mas a finalidade do evento era interessante. Na conversa telefónica, foram-me listados os vários nomes "previstos". Pareceu-me "fruta a mais", dado o elevado peso dessas personalidades. E fiquei um pouco "de pé atrás". Porque havia a hipótese real de conflito com outro compromisso, pedi para confirmar só uma semana mais tarde. Falei, entretanto, com dois dos oradores "previstos" e eles disseram-me que, pelas mesmas dúvidas que as minhas, já tinham recusado.

Voltaram a ligar-me da organização. Perguntei se se confirmava a presença dos restantes oradores que me tinham sido referidos. Foi-me dito que sim, que estavam todos "previstos". Entendi responder assim: "Muito bem. Eu irei, embora seja bastante longe de Lisboa e vá fazer algum esforço para conseguir chegar a tempo. Mas permita-me que coloque uma condição: só podem confirmar o meu nome se todas as pessoas que me referiu forem. Telefonarei na véspera para me assegurar disto".

Claro que o meu nome foi anunciado. Claro que a (esmagadora) maioria dos nomes (com o tal abusivo asterisco) não foram. E, claro, eu também não.

sexta-feira, dezembro 02, 2016

O dilema comunista

Não deve ser fácil a reflexão que o PCP leva a cabo, no quadro deste seu XX Congresso. (Caramba! Quem se lembra de um outro histórico XX Congresso?). Depois de se ter aliado à direita para derrubar o detestado governo PS, em 2011, abrindo caminho ao que aí veio, o PCP terá aprendido uma imensa lição: nem sempre a lógica do "quanto pior melhor" compensa. Com o país à beira de um sufoco, com a "troika" a mandar cá dentro, com a exceção a ser regra, com os direitos adquiridos a irem por água abaixo, o eleitorado comunista estava desejoso de se ver livre da funesta coligação que, de uma penada, aproveitara o alibi externo para desmantelar alguma coisa do que restava das "conquistas de abril". Sem expressão política para impor uma alternativa, contando quase só (o que, contudo, não é pouco) com a força negativa da rua sindical, o PCP viu-se tentado a apanhar a oportuna "boleia" que o PS lhe sugeriu - muito embora tivesse de ir na incómoda companhia do Bloco, que sempre lhe rói algum eleitorado à esquerda e na juventude. Na construção da "gerinçonça", o PS pagou o caro preço das reversões das privatizações dos transportes públicos de Lisboa e Porto, que assim puderam continuar a alimentar os cofres sindicais. Outras cedências, na Educação, aquietaram esse grande "dirigente operário" que se chama Mário Nogueira. E outras houve. No resto, nas pensões e em certas reversões, o PS fez apenas o que muito lhe apetecia fazer. E, para os socialistas, o negócio não era mau de todo: muitas bases do partido, e parte importante do eleitorado, reveem-se abertamente numa agenda de esquerda e isso acabou por fidelizar votos que a deriva segurista parecia estar a fazer fugir. A acreditar nas sondagens, isso é hoje uma realidade. Mas essa é também uma realidade muito preocupante para o PCP. É que ver grande parte da esquerda a tender a votar PS numa próximas eleições é algo que inquieta bastante os comunistas, um partido muito feito de lições da História, entre as quais se inclui a da nulificação do PCF que François Mitterrand conseguiu, associando-o ao poder. Assim, neste XX Congresso, um fantasma, na forma de um dilema, deve andar a pairar por lá. Continuar a apoiar o PS, deixando-lhe os louros das medidas populares da governação, podendo com isso erodir a sua base eleitoral de apoio? Ou começar a pensar a hipótese de romper com estrondo, com a Europa ou um incidente qualquer como pretexto, obrigando o país a ir a votos, com o PCP a reivindicar os louros de esquerda da "geringonça"? Como sempre acontece nas decisões burguesas - e não há nada de mais burguês na vida política nacional do que o PCP -, no meio é que está a virtude: Jerónimo de Sousa deve vir a conseguir um mandato para uma navegação à vista, com um crescendo de tensão, adubado por via sindical, que, se oportuno, pode levar à rutura no orçamento de 2018. É o esticar da corda, que pode vir a ser atenuado com mais algumas concessões futuras, que o PCP dirá ter arrancado a ferros. O PCP, honra lhe seja, cumpre sempre o que promete, em termos de negociação política. Mas não pode prometer ser contra a sua natureza e essa é a de uma cultura de taticismo obsessivo, de "ir andando", lutando pela preservação do "statu quo", enfim, lá no fundo, por esse seu grande e permanente objetivo, na respeitável leitura que faz da bondade do seu papel político: sobreviver.

Na despedida de Fidel

Acho estranho que quantos por cá ainda hoje se obstinam em defender a herança política de Fidel não consigam entender que muitos só toleraram o caráter ditatorial do regime cubano enquanto vivíamos num mundo bipolar, em que as ditaduras de direita eram estrategicamente protegidas, numa lógica anticomunista.

Desde que esse mundo acabou, que sentido tem defender a existência de um regime de partido único, sem uma única voz dissonante no parlamento, sem imprensa livre e com a dissidência a ser motivo para detenção imediata? E não deve haver nada mais parecido com uma prisão política de uma ditadura de direita do que uma prisão política de um regime que se afirme de esquerda.

Independência


Num intervalo de escassas horas, saudámos um Filipe, titular da soberania de um país amigo e aliado, e comemorámos a restauração de independência de Portugal – a data em que, vai para quatro séculos, conseguimos afastar-nos da tutela incómoda de um outro Filipe com idêntica origem, reafirmando orgulhosamente a nossa independência.

Lembrei-me disto ontem, em Vila Real, quando, com o grupo de amigos que, invariavelmente nessa data, se reúne junto do busto a Camilo Camilo Castelo Branco, patrono do liceu em que estudámos, entoava com patriótica inconsciência o anti-castelhano Hino da Restauração.

A História dá muitas voltas e, sem que os factos necessariamente se desmintam, aos vilões de ontem sucedem-se as figuras simpáticas de hoje (ou vice-versa, como, na mesma pessoa, ocorre por estes dias com Fidel). Por isso, a prudência de atitude aconselha a que nos não deixemos aprisionar pelas caricaturas e pelos mitos. Sem perder de vista o passado, devemos olhar essencialmente o futuro, que é o lugar onde vamos passar o resto das nossas vidas e onde a comunidade nacional a que pertencemos encontrará (ou não) razões e forças para se manter independente – seja isso o que for, nos tempos que correm.

O 1º de dezembro é uma data interessante, quiçá equívoca, porque em seu torno se unem os saudosos da dinastia dos Bragança e aqueles que, há mais de um século, lhes deram como destino definitivo as prateleiras da História. Daí o incómodo que a todos atravessou quando um fugaz epifenómeno politico - anti-grisalho e modernaço – tentou, por algum tempo, abafar a data.

O presidente português, que dá mostras de viver o nosso percurso histórico sem complexos nem traumas, trouxe os reis espanhóis às vésperas da Restauração. Fez bem. Filipe VI, que hoje simboliza a unidade espanhola, tem a legitimidade que lhe foi conferida por uma Constituição que o povo daquele país sufragou, de forma esmagadora. E sucede a alguém que, num momento muito difícil, se mostrou em sintonia com a vontade democrática da Espanha.

Aliás, se atentarmos bem, as monarquias europeias que hoje restam derivam todas de soberanos que, em momentos-chave, revelaram saber interpretar o interesse essencial dos seus povos.

A Espanha vive num regime monárquico. Só temos que respeitar essa opção – ou gostaríamos que, um dia, numa visita a uma qualquer monarquia, o presidente da nossa República fosse hostilizado por monárquicos?


Custa-me ter de constatar, como republicano que sou e sempre serei, que o triste espetáculo protagonizado pelo Bloco de Esquerda, na receção aos reis espanhóis na Assembleia da República, prova que afirmar-se republicano não é necessariamente sinónimo de ser democrata – que é, muito simplesmente, saber respeitar as livres opções dos outros.  

Só para lembrar

Porque estas coisas têm de ser ditas, irritem quem irritarem, quero destacar a serenidade construtiva demonstrada por Pedro Nuno Santos e pe...